Pular para o conteúdo principal

Para que eu procure entender.

Sexta-feira, uma hora da manhã. Um dia sem trabalho. Sem compromissos formais. Um dia para dormir até quatro da tarde. O primeiro de um longo feriado emendado. Em casa. A despeito dos convites e do rock'n roll acontecendo lá fora. Pergunta-se, porquê em casa? É a idade. Não. É o desinteresse pelas situações mais que conhecidas. Estar na festa. A música. Todas aquelas pessoas tentando parecer felizes. Todas aquelas pessoas tentando parecer mais interessantes que as outras. Todas aquelas pessoas tentando parecer. E a certeza de que estar lá significa necessariamente vestir a surrada carapuça das situações como essa. Tentar parecer feliz e interessante. Relembrar todas as teorias dos livros de auto-ajuda que dizem sobre dar a chance ao destino de colocar as pessoas certas no seu caminho, e que por isso deve-se estar, aparecer, participar. Sorrir. Dançar. Essas músicas incríveis.
Em casa sexta-feira à noite, começo de feriadão. Pelo grandissíssimo desinteresse no mesmo novo de sempre que se apresenta como possibilidade, se à festa fosse. Pelo cansaço de ter expectativas. O cansaço de ter expectativas frustradas. A opção por, ao invés, afundar-se em filosofias e reflexões sobre a vida e a morte e o trabalho de onde se sai, mas que não sai de si. Será a idade? Não. A transformação do desejo sobre o que viver, talvez. O desvio dos interesses, reencaminhamento de libido. Quem vem com a idade. Ou com a idade vem o resultado das experiências anteriores, que já sabe-se como são e que não espera que nada seja diferente do que já foi. Mais do mesmo. Talvez querer que isso que possa surgir como diferente, o faça de outra forma, que não essa conhecida, que não a expectativa que já se sabe frustrada.
Ou mais ainda: talvez esperar por algo especificamente diferente que sabe-se, não estará lá. Nem tampouco em casa, sexta-feira à noite. Onde será, então? Percebe, aos poucos, a esperança da possibilidade deixando de haver em si. E perde o interesse de abrir possibilidades vazias. Que até poderiam não sê-lo desta vez, mas que não se acredita tentar.
Parece pessimismo. Parece desânimo. Mas é apenas desinteresse generalizado significado em interesse específico. É apenas querer ir ao que interessa. O resto, é apenas o resto.
Até a página dois.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-

Soneteando meio torto.

Singrando em minha pele Teu corpo vai, sem hora E o tempo de outrora Não faz que se revele. Se não mais vivo aquele Penar que de outra vez Corroía minha tez Teu olhar que assim sele Compromisso de não ter às vistas de quem olha Compromisso algum de ser Pois que noite que o valha Se vem deste teu prazer Vale mil tu'a migalha.