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Mostrando postagens de fevereiro, 2009

Estranhamentos de carnaval

Não é estranha a força que tem a nossa necessidade de dividir nossa alma com o outro? Sem isso, nos sentimos incompletos, despersonalizados, eu diria. Aí está o fundamento do amor: dividir aquela imensidão que somos, com outro que nos ajude a carregar toda a nossa existência. *** Esse é meu tema, meu tema é a existência. Toda essa vida em festa que transborda nos dias de carnaval só me faz pensar em existência, na solidez da cidade, no estar ali, na antropologia do que vejo. Já de início, a estrutura da cidade - não de alguma cidade especificamente, mas o conceito de cidade, que é uma das coisas mais bem boladas da humanidade - nos convida incessantemente a estranhá-la e naturalizá-la, numa roda em eterno movimento de estrangeirismo e pertença. O estar ali pode nos tomar momentaneamente numa onda de contaminação psíquica, e por algum tempo nos sentiremos parte da coletividade. Mas logo o chão da cidade, um grupo de foliões e sua alegria tresloucada, as fantasias, um prédio antigo, logo

Estrangeirismo no corpo.

Imagine-se um feto. Quieto. Imerso. Confortável. Aparentemente seguro. Literal e metaforicamente boiando. Agora imagine que, sem menos esperar, uma forte pressão começa a te mover para baixo, mais pressão, mais pressão. Dor. Do conforto da imersão para o esforço de respirar. Do líquido ameno para pressão, dor, temperatura. Da escuridão para a luz. Do silêncio sussurante para o som do choro. Desespero. O que é isso?! O mínimo que você pode fazer neste momento é estranhar. Eu acredito que é este o momento no qual o estranhamento se inscreve no corpo - porque tudo antes de mais nada se inscreve no corpo. Agora, você é um estrangeiro, acabado de chegar. Antes você pertencia a um corpo que agora não te pertence mais, e passar-se-ão alguns meses até que você desconfie que você é diferente. Um estranho, alheio, um estrangeiro. Existe então um outro. Outro este que não sou eu, corpo outro que não o meu. E ainda: meu corpo estranha o mundo que não sou eu. E o que sou eu também. Fome, dor, calor

Mais do mesmo.

Mais do mesmo. É uma possibilidade de ser, ser mais do mesmo. Se perder em meio a todos os rostos da multidão. Mas quem há de julgar se, de súbito, o estranhamento nos açoitar pelas costas e então... separarmo -nos? Ora, mas todos irão, claro!!!!! Originalmente, não fomos criados (no sentido de educação e não de intencionalidade da criação divina!) para, estranhando, diferenciarmo -nos. A horda dependia disso. O totem dependia disso. O sistema depende disso. Não estamos fazendo nada de novo. Estamos apenas fazendo de novo. A não ser o estranhar, o estranhar é sempre novo, porque é único e individual. Ninguém estranha como eu. E vice -versa. A grande sacada deste jogo é que o mesmo estranhamento que foi fundamental para a invenção da roda, o domínio do fogo, o surgimento da escrita cuneiforme, é o mesmo estranhamento que não pode ser inscrito na individualidade. Porque aí jaz a separação, a diferenciação. Ser mais do mesmo é o apelo midiático - e, como li em uma outra estrangeira, a míd

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-