Pular para o conteúdo principal

Ao meu amor.

Em respeito ao meu amor, jamais deixarei de amá-lo - ou ao menos por hora. Porque meu amor não é descartável. Não é algo que mude ou se jogue fora, simplesmente junto com o objeto que se vai. Meu amor é muita coisa. É força, é profundidade, é aceleração. Ele se dá e preenche. E não é assim, porque o objeto se afasta, que, como poeira, vai ao vento deixar de ser amor. Ou espalhar-se. Ou mesmo polvilhar quintal alheio.
Não, devo muito ao meu amor para achar que posso desvencilhar-me dele assim, súbito, de uma vez por todas. Ele é maior do que eu. Se se ama algo mesmo, não é porque este algo não está ao alcance que qualquer outra coisa pode substituí-lo... Lutar contra isso me parece inútil. E se outra coisa pudesse simplesmente entrar no lugar, então talvez não fosse amor. Pelo menos não o meu amor. Esse que é tamanho.
A maioria já deve ter ouvido falar que o poetinha pensava que nada melhor para esquecer um grande amor do que um outro, novo grande amor. Talvez não seja bem isso. Talvez seja quase isso. Talvez seja que um belo dia, você consegue que seu amor ame pra outro lado, mas isso não é escolha sua. O amor é das poucas muitas coisas que o ser humano, apesar de todos os esforços empreendidos em sua história, nunca conseguiu mensurar, decifrar, compreender, descrever, analisar, personificar, compactar, envasar, dissecar. Coitado de quem patologiza o amor. Coitada de mim, que já o fiz! Mas meu amor é tão maior, que não se vinga! Ao invés, não me abandona. Poderia ele deixar-me, eu eu pensaria que nem existiu. E, ora, que tola teria sido, se nada disso tivesse sido amor.
Mas, não. Cá está ele, ao meu lado, todas as horas. Meu amor está aí, e amo ao longe. Não amo porque algo é. Amo simplesmente por amar, porque o amor não tem critérios. O amor é um fim em si mesmo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-

Não feliz.

Tudo bem? Não. Quantos esperam ouvir esta resposta quando cumprimentam alguém? Por que esta é uma resposta possível. Não, não estou bem. Não, as coisas não vão bem, e não, não está tudo bem comigo. Mas não é o que esperam, pois "tudo bem?" não é uma pergunta sincera. É apenas uma expressão idiomática usada para abrir comunicações informais. Quem pergunta não quer realmente saber se vc está bem ou se sofre. Quer apenas introduzir um assunto de interesse de ambos - ou não. E mais: quem pergunta, por mais que se importe, não quer mesmo ouvir que nada vai bem como resposta. É proibido não ser feliz. Se eu pergunto se está tudo bem, a resposta deve ser "sim, tudo vai bem comigo! e com você aí? Vai bem também? Tão bem como vai comigo? Tão bem ou melhor ainda?". Ora, deixem-me em paz! Deixem a tristeza em paz! Não, as pessoas não estão bem sempre e sim, tem horas em que tudo está uma grande merda. Mas por inúmeros motivos, ninguém sabe lidar com isso. Temos todos que se