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Retorno.

Dêem-me um motivo para me arrumar. Quero usar preto, com saltos altos, maquiar em torno dos olhos e tingir o cabelo de vermelho. Há muito que não me arrumo e tenho andado muito clara. Tão burguesa, calça jeans e rímel incolor. Dêem-me motivo para me vestir. Destacar os ombros, ruborizar as maçãs do rosto e ter os lábios carmim. Convidem-me para todas as festas de gala e me esqueçam pros churrascos de domingo. Guardarei todas as havaianas no fundo do baú. Quero que meus passos ecoem quando circular pelo salão acompanhada de um copo de destilado. Não me ofereçam fermentados frescos. Chegarei de táxi e não a pé. Entrarei sozinha, e não acompanhada. Mas estejam lá. Dêem-me motivo para me arrumar, e acreditar que sou aquilo que pareço. Pintarei as unhas de vermelho. Trarei comigo nada mais que um maço de cigarros. Dançarei com os quadris e os cabelos. Ao fim da noite, terei arranhado o verniz dos sapatos e dormirei sem retirar a maquiagem. O vestido ficará com cheiro de madrugada, e não verei a manhã do dia seguinte. Vamos rir alto a noite toda, sem mesmo ouvir o que estamos dizendo. Dêem-me um motivo para me arrumar, e ver no espelho no dia seguinte o pouco que sobra. Convidem-me a brincar de Cinderella. Mas não me lembrarei quando alguém trouxer o sapato de cristal esquecido. Não há com o que se preocupar. Ao fim, toda a claridade volta ao normal.
Deêm-me um motivo, e serei todas as noite do mundo.
Estou de volta.

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