Há uma imagem que criei e uso muito em meu trabalho quando quero me referir à relação da mudança com o incômodo. Costumo dizer que não há mudança sem incômodo, e eis a imagem: só se levanta de um assento e senta-se em outro se está incomodado com o lugar onde se senta. Se me sinto confortável, aquecido, bem posicionado, num lugar agradável, não me mudo. Pode-se objetar que algumas mudanças nos são impostas, o que é verdade. Mas replico que ainda assim, o incômodo é, mesmo na situação de uma mudança que se impôs, o motor desta, pois que houve o desagrado da circunstância que nos fez mudar. Exemplificando com a imagem anterior, poderia até estar muito confortável em meu assento, até que alguém venha e o reivindique para si, fazendo-me levantar. Uma mudança imposta, sim, mas gerada pelo incômodo da situação de ter de se haver com a disputa pelo local onde se está sentado. Incomodo, logo mudo.
Pois bem, tendo atestado o incômodo como motor de mudança da forma acima, passemos a maiores reflexões sobre esta relação. A equação incômodo-mudança comporta inúmeras variáveis que devem ser avaliadas no percurso sentir-se incomodado-promover mudança até chegar-se na resolução final deste processo. O que incomoda? Por que incomoda? Aonde incomoda? O que mudar? Como mudar? Mudar em direção a que?, entre infinitas outras. Belo seria se esta equação fosse realmente da ordem dos números e das ciências exatas. Mas não o é. E toda pequena particularidade individual que incida sobre qualquer um dos fatores, faz com que todo o processo se torne algo único e diferente, exclusivo e idiossincrático.
Em meio a tantas variáveis, as dificuldades do processo. Sentir-se incomodado, sem saber o que incomoda. Saber o que incomoda, sem saber aonde incomoda. Reconhecer o incômodo, mas desconhecer sua origem. E quando não se sabe o que ou como mudar? Ou que direção seguir? O resultado destes entraves todos é angústia, ansiedade, sentimento de impotência, aprisionamento ou estagnação, vazio. Seu verdadeiro cárcere privado. Sentir-se incapaz de visualizar uma saída é uma das piores cicutas para a criatividade de vida de uma pessoa.
É preciso solucionar o incômodo, e mudar-se. E transformar. Trans-formar, dar forma através do impulso criativo, geracional. Não entender o próprio incômodo e, menos ainda, não saber o que fazer com ele é um impasse que precisa ser resolvido dentro de si, interna e subjetivamente. Pois se há algo que se pode afirmar com convicção sobre qualquer incômodo que haja é que ele é extrema e infinitamente seu. E de mais ninguém. O incômodo é incômodo de quem o sente, e a mudança só pode partir desse sujeito sentidor. Pois se não são claros origem e caminho, há que se voltar para si e escutar. Pois o que há de errado só pode ser ouvido no silêncio de si mesmo. Esse silêncio de mil vozes a que o mundo lá fora ignora. Apenas ele é capaz de dissolver a angústia, aplacar a ansiedade e trazer à luz da consciência a verdade de si mesmo. A sua verdade.
Assim sendo, o incômodo é a mola que move o mundo, que mundo é existir e existir é movimento. E movimento implica, claramente, em mudança. O mundo e eu, jamais nos contentaremos em sentar no mesmo assento por muito tempo. Os incomodados que se mudem.
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Estranhe.