Dias atrás me peguei numa discussão ferrenha com meus colegas mais próximos do hospital onde trabalho. Na mais absoluta falta do que fazer que nos tem presenteado estes dias confusos de indecisão - outro assunto - as idas e vindas ao cafezinho na rua proliferam, oferecendo-nos espaço para os mais variados assuntos, para descobrir afinidades, estreitar laços, mas também, é claro, para conhecer as divergências.
Numa dessas ocasiões, cercada por quatro colegas do sexo masculino - e vejam bem, pontuo isto aqui porque a questão é exatamente gênero e sexualidade - em meio às abobrinhas e berinjelas que disparavam animadamente, entra-se no assunto "se meu filho fosse gay". Estando eu no meio, como boa catalisadora de polêmicas que sou, não foi de se estranhar que o assunto tenha logo tomados proporções de debate e espalhado-se pelo resto da equipe, ocupando todo o resto da tarde, transformando-se mesmo numa enquete.
Partindo da famosa afirmação sobre a "beleza da homossexualidade feminina contra aberração da homossexuliade masculina", corriqueira em conversas de meninos, chegou-se, após inúmeros e diversos argumentos, à pergunta que foi espalhada pelo hospital, com o caráter de "pesquisa de opinião": O que é preferível: uma filha "piranha" ou um filho "gay"?
Diante dos absurdos - a meu ver - usados como argumento quase unânime diparados como "explicação" para a homossexualidade, entre os quais predominava a idéia de uma relação defeituosa pai-filho, tentei, de muitas formas, oferecer mesmo uma perspectiva psicológica onde caberia tanto neurose na heterossexualidade como saúde na homossexualidade. Mas aparentemente eu era a única que não patologizava a opção sexual, qualquer que fosse. Algumas colegas, do sexo feminino, mostraram-se mais dispostas a relativizar seus entendimentos sobre o tema e refletir sobre a condição de escolha da sexualidade que eu oferecia. Mas ainda assim, o resultado de tal enquete foi majoritário, entre os funcionários, desde cirurgiões, médicos, odontólogos, até faxineiros e administrativos: filha "piranha", por favor.
A reflexão sobre isso passa obviamente pela questão cultural. Por mais que tenhamos Parada GLBT, direitos assegurados por legislações aqui e ali, campanhas contra discriminação, a homossexualidade ainda é tabu em nossa sociedade - o que poderíamos até mesmo explicar por teorias de compensação unilateral da consciência X pluralidade inconsciente, mas não vou entrar nisto agora. E digo, especificamente, em nossa sociedade, porque sabemos, já carecas, que nem sempre foi assim nem em todo lugar é assim.
Eu tenho grande convicção de que estamos caminhando para uma sociedade mais individuada - nos termos de Jung - onde o extremismo da individualidade e a massificação do coletivo chegarão a um acordo, em todos os aspectos. No aspecto da sexualidade, entendo que isto levaria a uma aceitação cada vez maior das escolhas individuais, que deixariam de surgir como "ofensas" ao coletivo, e este deixaria, por sua vez, de esmagar as individualidades. Acredito mesmo que a longínquo prazo, nos encontraremos com uma androginia das relações, mas também não me estenderei sobre este ponto de vista aqui.
Mas por hora, a questão que se me ficou deste tête-a-tête configura-se fundamentalmente em relação à rejeição preconceituosa. Se, porventura, escutarmos alguém a dizer: "Olha, eu até tenho amigos negros, eles freqüentam a minha casa, são bem recebidos, deixo-os brincar com meus filhos, mas, Deus me livre!, seria uma decepção pra mim se um filho meu nascesse negro!", imediatamente identificamos como preconceito racial e rechaçamos ou recriminamos tal interlocutor, pela frase moralmente agressiva em tempos de globalização das raças. Por que então repete-se inadvertidamente esta mesma frase - e a ouvi mais de uma vez, de pessoas diferentes, na tal discussão no hospital - trocando-se o termo "negros" por "gay", sem a mesma reação imediata contra o preconceito subentendido? E mais: "não quero que meu filho seja gay porque ele sofreria muito, com toda a discriminação!", partir-se do princípio que os gays são infelizes e tem algum problema na relação parental!
Negros são discriminados. Mulheres são discriminadas. Gays são discriminados. Um branco nascido numa comunidade de negros, também o é. Um analfabeto o é. Pessoas com diferenças físicas, psicológicas, de comportamento, todos podem - e são! - discriminados dentro de contextos onde sua diferença sobressaia.
A homossexualidade sofrerá preconceito e dificuldade de aceitação enquanto "bicha" e "viadinho" ainda forem sinônimos de ofensa. Enquanto dentro de casa os pais ainda insistirem em se chocar porque o filho pequeno gosta de bonecas e a filha de carrinhos. O jovem que cresceu ouvindo o pai zombetear da sexualidade alheia, por mais que este mesmo pai se mostre disponível e pouco repressor com o filho, sofrerá grande conflito quando, e se, em algum momento se descobrir com uma sexualidade diferenciada, tendo já internalizada a imagem de que sofrerá a mesma rejeição pelo pai que o via destilar para outros.
Para uma sexualidade sem neuroses, seja ela homo, hetero, pan, trans, ou qualquer outra que ainda surja, é preciso vivência saudável e escolha livre desde cedo. Desde sempre.
Todos que se amam devem poder andar livremente pelas ruas de mãos dadas, sejam eles dois homens, duas mulheres, dois travestis, um casal. O que define a sexualidade é o encontro com Eros.
Numa dessas ocasiões, cercada por quatro colegas do sexo masculino - e vejam bem, pontuo isto aqui porque a questão é exatamente gênero e sexualidade - em meio às abobrinhas e berinjelas que disparavam animadamente, entra-se no assunto "se meu filho fosse gay". Estando eu no meio, como boa catalisadora de polêmicas que sou, não foi de se estranhar que o assunto tenha logo tomados proporções de debate e espalhado-se pelo resto da equipe, ocupando todo o resto da tarde, transformando-se mesmo numa enquete.
Partindo da famosa afirmação sobre a "beleza da homossexualidade feminina contra aberração da homossexuliade masculina", corriqueira em conversas de meninos, chegou-se, após inúmeros e diversos argumentos, à pergunta que foi espalhada pelo hospital, com o caráter de "pesquisa de opinião": O que é preferível: uma filha "piranha" ou um filho "gay"?
Diante dos absurdos - a meu ver - usados como argumento quase unânime diparados como "explicação" para a homossexualidade, entre os quais predominava a idéia de uma relação defeituosa pai-filho, tentei, de muitas formas, oferecer mesmo uma perspectiva psicológica onde caberia tanto neurose na heterossexualidade como saúde na homossexualidade. Mas aparentemente eu era a única que não patologizava a opção sexual, qualquer que fosse. Algumas colegas, do sexo feminino, mostraram-se mais dispostas a relativizar seus entendimentos sobre o tema e refletir sobre a condição de escolha da sexualidade que eu oferecia. Mas ainda assim, o resultado de tal enquete foi majoritário, entre os funcionários, desde cirurgiões, médicos, odontólogos, até faxineiros e administrativos: filha "piranha", por favor.
A reflexão sobre isso passa obviamente pela questão cultural. Por mais que tenhamos Parada GLBT, direitos assegurados por legislações aqui e ali, campanhas contra discriminação, a homossexualidade ainda é tabu em nossa sociedade - o que poderíamos até mesmo explicar por teorias de compensação unilateral da consciência X pluralidade inconsciente, mas não vou entrar nisto agora. E digo, especificamente, em nossa sociedade, porque sabemos, já carecas, que nem sempre foi assim nem em todo lugar é assim.
Eu tenho grande convicção de que estamos caminhando para uma sociedade mais individuada - nos termos de Jung - onde o extremismo da individualidade e a massificação do coletivo chegarão a um acordo, em todos os aspectos. No aspecto da sexualidade, entendo que isto levaria a uma aceitação cada vez maior das escolhas individuais, que deixariam de surgir como "ofensas" ao coletivo, e este deixaria, por sua vez, de esmagar as individualidades. Acredito mesmo que a longínquo prazo, nos encontraremos com uma androginia das relações, mas também não me estenderei sobre este ponto de vista aqui.
Mas por hora, a questão que se me ficou deste tête-a-tête configura-se fundamentalmente em relação à rejeição preconceituosa. Se, porventura, escutarmos alguém a dizer: "Olha, eu até tenho amigos negros, eles freqüentam a minha casa, são bem recebidos, deixo-os brincar com meus filhos, mas, Deus me livre!, seria uma decepção pra mim se um filho meu nascesse negro!", imediatamente identificamos como preconceito racial e rechaçamos ou recriminamos tal interlocutor, pela frase moralmente agressiva em tempos de globalização das raças. Por que então repete-se inadvertidamente esta mesma frase - e a ouvi mais de uma vez, de pessoas diferentes, na tal discussão no hospital - trocando-se o termo "negros" por "gay", sem a mesma reação imediata contra o preconceito subentendido? E mais: "não quero que meu filho seja gay porque ele sofreria muito, com toda a discriminação!", partir-se do princípio que os gays são infelizes e tem algum problema na relação parental!
Negros são discriminados. Mulheres são discriminadas. Gays são discriminados. Um branco nascido numa comunidade de negros, também o é. Um analfabeto o é. Pessoas com diferenças físicas, psicológicas, de comportamento, todos podem - e são! - discriminados dentro de contextos onde sua diferença sobressaia.
A homossexualidade sofrerá preconceito e dificuldade de aceitação enquanto "bicha" e "viadinho" ainda forem sinônimos de ofensa. Enquanto dentro de casa os pais ainda insistirem em se chocar porque o filho pequeno gosta de bonecas e a filha de carrinhos. O jovem que cresceu ouvindo o pai zombetear da sexualidade alheia, por mais que este mesmo pai se mostre disponível e pouco repressor com o filho, sofrerá grande conflito quando, e se, em algum momento se descobrir com uma sexualidade diferenciada, tendo já internalizada a imagem de que sofrerá a mesma rejeição pelo pai que o via destilar para outros.
Para uma sexualidade sem neuroses, seja ela homo, hetero, pan, trans, ou qualquer outra que ainda surja, é preciso vivência saudável e escolha livre desde cedo. Desde sempre.
Todos que se amam devem poder andar livremente pelas ruas de mãos dadas, sejam eles dois homens, duas mulheres, dois travestis, um casal. O que define a sexualidade é o encontro com Eros.
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Estranhe.