Regina acordou com o despertador do relógio tocando, muito suavemente, bem baixinho. Na verdade já havia acordado quarenta minutos antes, Alberto, que dormia ao seu lado no tapete da sala, falava animadamente ao telefone. Ele voltara a dormir. Ela mais ou menos, e agora acordava de verdade, porque estava na hora. Depois de passarem o sábado inteiro juntos, bebendo e comendo e falando, de dormirem sob o mesmo teto, teriam ainda um domingo muito agitado. Regina já via ante seus olhos as porções de pastel e as garrafas de cerveja que teriam, logo logo, por café da manhã.
Espreguiçou-se com um sorriso, cheia de pelos do tapete no vestido, virou-se na direção do amigo. Alberto estava sentado de costas para ela, no chão com as pernas cruzadas, imóvel. "Bom dia!", ela disse feliz. Ele não a respondeu. Chamou-o, com a intimidade dos amigos, de mal educado e sentou-se, chegando perto de onde estava. Alberto, imóvel, tinha a expressão atordoada, os lábios brancos e os olhos vidrados. Observava fixamente o corpo de Mariana estendido ao pé da escada, as pernas e braços torcidos em direções opostas, o sangue coagulando na borda tapete.
O grito de Regina retirou-o de seu torpor. "O que você fez? O que aconteceu?", ela oscilava entre acusar e acolher. "Eu acordei, e Mariana estava assim..." Morta. Já havia tocado no corpo, chamado por seu nome, mas estava de fato, desencarnada. Sentaram-se ambos longe do corpo, como em um ritual tácito de respeito àquilo que não entendem, e tentaram refazer os últimos acontecimentos da noite, em busca de resposta.
Meia-noite. Após desligarem os respectivos telefones, Regina sai de casa a pé, Alberto entra num táxi. Ela passa na farmácia, tira dinheiro no caixa eletrônico, atravessa os arcos num passo mais apressado, cumprimenta amigos em frente ao Carioca da Gema. Ele segue viagem, pára um quarteirão antes, compra cigarros. Ela toca o interfone, sobe para o apartamento de Mariana. Ele toca o interfone sobe para o 205. Mariana pediu pizza, muita pizza, já está quase fria, como vocês demoram! Pizza, coca-cola e cigarros, all night long. Sem álcool, já haviam bebido muito à tarde. Mariana está morta, como? Comem, bebem - coca - e fumam - nicotina - e falam, riem, navegam na grande rede. Nenhum desses fatores, combinadamente ou de forma isolada, costuma ser fatal. Não de repente assim, não que saibam. Decidem-se por dormir esparramados no tapete de Mariana, porque no dia seguinte iriam tomar café da manhã juntos na Urca, cerveja e pastéis. Mas Mariana está morta, estragando o passeio.
Se não fui eu, não foi você, então quem foi?, perguntam-se calados. Alberto acha melhor saírem dali para procura ajuda; Regina quer ligar para alguém, para a polícia. Não há chave na porta trancada, nem em nenhum outro lugar da casa. Estes telefones estão fora de área ou desligados. Estão presos, sem saída nem entrada, sem voz ou comunicação, com um corpo morto estirado na sala, ao pé da escada. O corpo que até esta madrugada era Mariana.
Alberto, você fuma demais!, mas isso não é hora de se importar com isso. Decidem que é melhor tentar descobrir a causa mortis, por si mesmos. Não há marcas, não há estrangulamento, nem hematomas ou escoriações. Não há perfuração a bala, nem cortes nos pulsos. Não há nada, senão um saco de ossos esfarelados e músculos contorcidos. Não há sinal de onde estejam as chaves da casa.
A idéia de passar horas com um cadáver começa a nausear Regina. A idéia subsequente de morrer presa a esta casa com cadáver, começa a desesperá-la. É melhor tentar sair dali. Regina quer esmurrar a porta até derrubá-la; Alberto quer algo cortante para romper a rede de proteção que evita o suicídio do Gato para sair pela janela. O Gato! Aonde estará o Gato? Terá ele culpa? Que pensamento mais besta, Gatos não são responsáveis por mortes humanas. Procuram-no por toda a casa; é como se ele tivesse ido embora e levado todas as chaves.
Sentam-se de volta ao tapete. A imagem do corpo contorcido fixa a atenção de ambos, é quase como se pudesse mover-se. Nem parece mais Mariana. Parece apenas algo, inanimado, sobre o que pode-se deliberar livremente. Pode-se mexer, reposicionar, torcer, zombar, abusar. É um boneco mórbido que se torna cada vez mais ridículo quanto mais tempo passam presos nesta sala. Já não lembram mais de pastéis e cervejas, das pessoas que estão do lado de fora, de uma realidade para além de uma sala com tapete e um cadáver.
Alberto, ela está de olhos abertos e me olha fixamente. Agora acho que piscou. Não posso ficar aqui nem mais um minuto. Vou matar este cadáver! Regina, é melhor se acalmar. Com a cabeça no colo de Alberto, sentados de frente para Mariana, sonham com uma saída para esta prisão insuportável. Acariciando os cabelos cacheados de Regina, adormecem fingindo tudo não ser verdade.
Mariana levanta-se da cama animada, vão tomar cerveja e comer pastéis na Urca, programa de domingo. Desce a escada e vê, estirados ao tapete os dois amigos, lábios arroxeados, pálidos, frios e ainda abraçados. Miram um ponto próximo à escada, com olhar escatológico. Têm nas mãos cigarros e as chaves da casa. Mariana abraça-os, puxando seus corpos para sobre seu colo e desculpa-se. Sinto muito, nunca quis que acontecesse.
Espreguiçou-se com um sorriso, cheia de pelos do tapete no vestido, virou-se na direção do amigo. Alberto estava sentado de costas para ela, no chão com as pernas cruzadas, imóvel. "Bom dia!", ela disse feliz. Ele não a respondeu. Chamou-o, com a intimidade dos amigos, de mal educado e sentou-se, chegando perto de onde estava. Alberto, imóvel, tinha a expressão atordoada, os lábios brancos e os olhos vidrados. Observava fixamente o corpo de Mariana estendido ao pé da escada, as pernas e braços torcidos em direções opostas, o sangue coagulando na borda tapete.
O grito de Regina retirou-o de seu torpor. "O que você fez? O que aconteceu?", ela oscilava entre acusar e acolher. "Eu acordei, e Mariana estava assim..." Morta. Já havia tocado no corpo, chamado por seu nome, mas estava de fato, desencarnada. Sentaram-se ambos longe do corpo, como em um ritual tácito de respeito àquilo que não entendem, e tentaram refazer os últimos acontecimentos da noite, em busca de resposta.
Meia-noite. Após desligarem os respectivos telefones, Regina sai de casa a pé, Alberto entra num táxi. Ela passa na farmácia, tira dinheiro no caixa eletrônico, atravessa os arcos num passo mais apressado, cumprimenta amigos em frente ao Carioca da Gema. Ele segue viagem, pára um quarteirão antes, compra cigarros. Ela toca o interfone, sobe para o apartamento de Mariana. Ele toca o interfone sobe para o 205. Mariana pediu pizza, muita pizza, já está quase fria, como vocês demoram! Pizza, coca-cola e cigarros, all night long. Sem álcool, já haviam bebido muito à tarde. Mariana está morta, como? Comem, bebem - coca - e fumam - nicotina - e falam, riem, navegam na grande rede. Nenhum desses fatores, combinadamente ou de forma isolada, costuma ser fatal. Não de repente assim, não que saibam. Decidem-se por dormir esparramados no tapete de Mariana, porque no dia seguinte iriam tomar café da manhã juntos na Urca, cerveja e pastéis. Mas Mariana está morta, estragando o passeio.
Se não fui eu, não foi você, então quem foi?, perguntam-se calados. Alberto acha melhor saírem dali para procura ajuda; Regina quer ligar para alguém, para a polícia. Não há chave na porta trancada, nem em nenhum outro lugar da casa. Estes telefones estão fora de área ou desligados. Estão presos, sem saída nem entrada, sem voz ou comunicação, com um corpo morto estirado na sala, ao pé da escada. O corpo que até esta madrugada era Mariana.
Alberto, você fuma demais!, mas isso não é hora de se importar com isso. Decidem que é melhor tentar descobrir a causa mortis, por si mesmos. Não há marcas, não há estrangulamento, nem hematomas ou escoriações. Não há perfuração a bala, nem cortes nos pulsos. Não há nada, senão um saco de ossos esfarelados e músculos contorcidos. Não há sinal de onde estejam as chaves da casa.
A idéia de passar horas com um cadáver começa a nausear Regina. A idéia subsequente de morrer presa a esta casa com cadáver, começa a desesperá-la. É melhor tentar sair dali. Regina quer esmurrar a porta até derrubá-la; Alberto quer algo cortante para romper a rede de proteção que evita o suicídio do Gato para sair pela janela. O Gato! Aonde estará o Gato? Terá ele culpa? Que pensamento mais besta, Gatos não são responsáveis por mortes humanas. Procuram-no por toda a casa; é como se ele tivesse ido embora e levado todas as chaves.
Sentam-se de volta ao tapete. A imagem do corpo contorcido fixa a atenção de ambos, é quase como se pudesse mover-se. Nem parece mais Mariana. Parece apenas algo, inanimado, sobre o que pode-se deliberar livremente. Pode-se mexer, reposicionar, torcer, zombar, abusar. É um boneco mórbido que se torna cada vez mais ridículo quanto mais tempo passam presos nesta sala. Já não lembram mais de pastéis e cervejas, das pessoas que estão do lado de fora, de uma realidade para além de uma sala com tapete e um cadáver.
Alberto, ela está de olhos abertos e me olha fixamente. Agora acho que piscou. Não posso ficar aqui nem mais um minuto. Vou matar este cadáver! Regina, é melhor se acalmar. Com a cabeça no colo de Alberto, sentados de frente para Mariana, sonham com uma saída para esta prisão insuportável. Acariciando os cabelos cacheados de Regina, adormecem fingindo tudo não ser verdade.
Mariana levanta-se da cama animada, vão tomar cerveja e comer pastéis na Urca, programa de domingo. Desce a escada e vê, estirados ao tapete os dois amigos, lábios arroxeados, pálidos, frios e ainda abraçados. Miram um ponto próximo à escada, com olhar escatológico. Têm nas mãos cigarros e as chaves da casa. Mariana abraça-os, puxando seus corpos para sobre seu colo e desculpa-se. Sinto muito, nunca quis que acontecesse.
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Estranhe.