Tinha chegado em casa bêbada. Uma vaga lembrança que pedira comida no boteco da esquina, logo confirmada pelo interfone. Era mais uma noite em vão. Mais um sono sem sonhos que se lembrasse e que pudessem lhe dar uma dica. Se fiava muito no que tinham a dizer, os sonhos. Dormiu no tapete da sala. Quem nunca teve essa urgência de dormir tão desenfreada de não conseguir chegar na cama?
Morava sozinha a tempo suficiente para parecer desde sempre. E a cada dia crescia a impressão de que assim moraria eternamente. Morava com o Gato. Mas o Gato sabia morar de um jeito que era como morar absolutamente sozinha muitas vezes. Não é de todo ruim, amava sua casa. Não que parecesse, pois pouco a frequentava, mas sim, amava. Tinha obrigações para com ela que não conseguia cumprir, mas a casa nunca reclamara. Da mesma forma o Gato. Amor incondicional.
Sozinha, tinha tempo suficiente para olhar ao seu redor e tentar entender o que era sua vida. O que acontecia e qual era sua responsabilidade nisso, se é que tinha. Porque muitas vezes parecia que sua vida acontecia apesar dela. Obviamente, chegava a conclusão alguma, embora muitos de seus amigos tivessem opiniões garantidíssimas acerca. Opiniões sobre sua vida. Mas quem a conhecia? Quem realmente? Com frequência pensava que não havia ser vivente sobre a Terra - fora o Gato - que soubesse um mínimo que fosse sobre si. E sabia que a culpa era sua, porque nunca ter querido dizer o que era de verdade. Outras, se reconhecia no que diziam das impressões que tinham, pois bem, era um ser humano como eles, não? Mas no apanhado geral, nunca acertavam. O que queria mesmo, era difícil até entender a si mesma, saber a psicologia das motivações que a moviam.
Naquela tarde bebera muito, e conversara sobre tudo isso, tudo o que não há tempo pra se conversar quando se está sóbrio. E sempre quando isso acontecia, ficava a impressão de que jogava palavras ao vento pra ver se alcançavam um certo destino. Puro misticismo etílico.
Chegou tarde do trabalho. Seus horários variavam uns dias mais, outros menos, mas pouco tempo de folga. Na verdade, havia folga suficiente, mas não sabia o que fazer com ela. Na verdade, não sabia o que queria. Estar sempre muito ocupado fornecia o argumento ideal para não se envolver com o que não sabia, ou sabia mas não sabia se queria. Havia tido mulheres na sua vida, umas mais outras menos, muito poucas que o ocupassem realmente. Pensava buscar algo, mas na verdade, andava na contramão.
Não perdia muito tempo com olhar a o redor e entender sua vida, por ser mais fácil acreditar que era si próprio quem a definia. E o pouco tempo que lhe sobrava não deveria ser ocupado com isso. Morava sozinho sem perceber há quanto tempo, e não lhe ocorria problematizar tal fato. A roupa era lavada e passada e a casa arrumada por alguém que não lhe dizia respeito, comia sempre fora de casa, deixava o carro numa garagem alugada do outro lado da rua. E quando queria, podia levar alguém pra passar a noite. E só.
Trabalhara a tarde inteira, e, como em todas as outras noites daquele dia da semana, a noite seria um vão. Um sono sem sonhos, a que não dava importância, pois nada lhe diziam. Importava que na manhã seguinte trabalharia novamente, e no fim da tarde, talvez, muito provavelmente, encontraria os amigos pra beber. Amigos com quem falaria sobre banalidades, sobre o trabalho, sobre viagens à Europa. Vez ou outra poderia até falar de si após a quarta garrafa, mas não o entenderiam mesmo. E nem seria essa a intenção.
Conheceram-se sabe deus aonde. Um dos dois - quiçá ambos - lembra muito bem como tudo começou. Não é o tipo de homem que se interessaria pelo tipo de mulher que era. Não é o tipo de mulher que despertaria o interesse num homem desses. Para um, assustadora, enquanto para outra, frustrante. Estava claro que nada daria certo deste encontro. Uma clareza que condicionava as atitudes dos dois, porque uma era incisiva e o outro, pendular.
Conhecerem-se encantou-os. Porque nenhum dos dois era o que o outro supunha. Para mais e para menos. Para o bem e para o mal. Mas o fim era próximo e certeiro. Acreditava ainda poder convencê-lo. Acreditava ainda poder contorná-la.
Mas enquanto participassem desse conto, seguiriam a beber e a trabalhar tardes inteiras, em distantes realidades, juntos, mas sem se tocar.
Morava sozinha a tempo suficiente para parecer desde sempre. E a cada dia crescia a impressão de que assim moraria eternamente. Morava com o Gato. Mas o Gato sabia morar de um jeito que era como morar absolutamente sozinha muitas vezes. Não é de todo ruim, amava sua casa. Não que parecesse, pois pouco a frequentava, mas sim, amava. Tinha obrigações para com ela que não conseguia cumprir, mas a casa nunca reclamara. Da mesma forma o Gato. Amor incondicional.
Sozinha, tinha tempo suficiente para olhar ao seu redor e tentar entender o que era sua vida. O que acontecia e qual era sua responsabilidade nisso, se é que tinha. Porque muitas vezes parecia que sua vida acontecia apesar dela. Obviamente, chegava a conclusão alguma, embora muitos de seus amigos tivessem opiniões garantidíssimas acerca. Opiniões sobre sua vida. Mas quem a conhecia? Quem realmente? Com frequência pensava que não havia ser vivente sobre a Terra - fora o Gato - que soubesse um mínimo que fosse sobre si. E sabia que a culpa era sua, porque nunca ter querido dizer o que era de verdade. Outras, se reconhecia no que diziam das impressões que tinham, pois bem, era um ser humano como eles, não? Mas no apanhado geral, nunca acertavam. O que queria mesmo, era difícil até entender a si mesma, saber a psicologia das motivações que a moviam.
Naquela tarde bebera muito, e conversara sobre tudo isso, tudo o que não há tempo pra se conversar quando se está sóbrio. E sempre quando isso acontecia, ficava a impressão de que jogava palavras ao vento pra ver se alcançavam um certo destino. Puro misticismo etílico.
Chegou tarde do trabalho. Seus horários variavam uns dias mais, outros menos, mas pouco tempo de folga. Na verdade, havia folga suficiente, mas não sabia o que fazer com ela. Na verdade, não sabia o que queria. Estar sempre muito ocupado fornecia o argumento ideal para não se envolver com o que não sabia, ou sabia mas não sabia se queria. Havia tido mulheres na sua vida, umas mais outras menos, muito poucas que o ocupassem realmente. Pensava buscar algo, mas na verdade, andava na contramão.
Não perdia muito tempo com olhar a o redor e entender sua vida, por ser mais fácil acreditar que era si próprio quem a definia. E o pouco tempo que lhe sobrava não deveria ser ocupado com isso. Morava sozinho sem perceber há quanto tempo, e não lhe ocorria problematizar tal fato. A roupa era lavada e passada e a casa arrumada por alguém que não lhe dizia respeito, comia sempre fora de casa, deixava o carro numa garagem alugada do outro lado da rua. E quando queria, podia levar alguém pra passar a noite. E só.
Trabalhara a tarde inteira, e, como em todas as outras noites daquele dia da semana, a noite seria um vão. Um sono sem sonhos, a que não dava importância, pois nada lhe diziam. Importava que na manhã seguinte trabalharia novamente, e no fim da tarde, talvez, muito provavelmente, encontraria os amigos pra beber. Amigos com quem falaria sobre banalidades, sobre o trabalho, sobre viagens à Europa. Vez ou outra poderia até falar de si após a quarta garrafa, mas não o entenderiam mesmo. E nem seria essa a intenção.
Conheceram-se sabe deus aonde. Um dos dois - quiçá ambos - lembra muito bem como tudo começou. Não é o tipo de homem que se interessaria pelo tipo de mulher que era. Não é o tipo de mulher que despertaria o interesse num homem desses. Para um, assustadora, enquanto para outra, frustrante. Estava claro que nada daria certo deste encontro. Uma clareza que condicionava as atitudes dos dois, porque uma era incisiva e o outro, pendular.
Conhecerem-se encantou-os. Porque nenhum dos dois era o que o outro supunha. Para mais e para menos. Para o bem e para o mal. Mas o fim era próximo e certeiro. Acreditava ainda poder convencê-lo. Acreditava ainda poder contorná-la.
Mas enquanto participassem desse conto, seguiriam a beber e a trabalhar tardes inteiras, em distantes realidades, juntos, mas sem se tocar.
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Estranhe.