Pular para o conteúdo principal

Bolero de Ravel.

 Faz parte da cultura paraibana. Sim, o Bolero de Ravel. No município de Cabedelo, bairro do Jacaré, às margens do rio Sanhoá, todos os dias, há 3.385 dias (81, pela memória de F.K.), Jurandy do Sax toca o Bolero de Ravel, pontualmente desde o momento em que o sol começa a se por até este desaparecer totalmente atrás da mata na outra margem do largo rio. Jurandy sai de um pier sobre a água num dos restaurantes que ficam à margem do Sanhoá, entra numa canoa, e, de pé, navega pelo rio tocando o Bolero de Ravel em seu sax. Por do Sol no Jacaré, imperdível.
Comi bode. Duas vezes. E peixe e camarão e feijoada e amendoim cozido na casca e castanha e devo estar um 5 quilos mais feliz. A balança daqui é atrasada no peso de verão, pr'as visitas ficarem à vontade e comerem mais um cadinho. É importante notar também o cachorro quente: é de carne moída. Até tinha umas salsichas - acho que em nossa homenagem - mas o negócio mesmo é pão a bolonhesa. Imagino que não seja tão interessante ficar aqui lendo sobre comida - com certeza não tanto quanto comê-las ao vivo aqui - mas é que, fora isso, eu estaria falando dos meus mergulhos matinais num mar transparente e sem ondas, das minhas caminhadas diárias pelas areias brancas daqui, do tantão assim de cerveja santa de todos os dias, e, fora isso... fora isso, não há mais nada, além da rede e um Saramago em espanhol. É uma vidinha chata essa que levo aqui. Mas vai acabar.
Antes que acabe, hoje teve seresta na varanda. Muita gente, casa cheia, canções antigas, histórias folclóricas, piadas sobre muié. Quem vive vida assim, num lugar como esse, não há de reclamar. É um povo feliz, bem humorado, que bebe, come, dança, canta, toca, ri, se abraça, dorme na rede - como eu dormi nessas redes! - longe e sem saber da correria das grandes cidades, do tumulto do Rio de Janeiro, da vida cara que levamos. Tudo por aqui é mais barato (skol latão a R$2,00 em tudo quanto é canto!!!), e a vida vai seguindo seu rumo, mantendo tradições simultâneas com as coisas boas das tecnologias modernas (como por exemplo esta internet que estou usando aqui...), recebendo o povo que vem de longe se maravilhar com essa vida.
Terça eu volto. Espero que nada mais esteja no mesmo lugar de sempre. Eu, com certeza, não estarei.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob...

Estrangeirismo no corpo.

Imagine-se um feto. Quieto. Imerso. Confortável. Aparentemente seguro. Literal e metaforicamente boiando. Agora imagine que, sem menos esperar, uma forte pressão começa a te mover para baixo, mais pressão, mais pressão. Dor. Do conforto da imersão para o esforço de respirar. Do líquido ameno para pressão, dor, temperatura. Da escuridão para a luz. Do silêncio sussurante para o som do choro. Desespero. O que é isso?! O mínimo que você pode fazer neste momento é estranhar. Eu acredito que é este o momento no qual o estranhamento se inscreve no corpo - porque tudo antes de mais nada se inscreve no corpo. Agora, você é um estrangeiro, acabado de chegar. Antes você pertencia a um corpo que agora não te pertence mais, e passar-se-ão alguns meses até que você desconfie que você é diferente. Um estranho, alheio, um estrangeiro. Existe então um outro. Outro este que não sou eu, corpo outro que não o meu. E ainda: meu corpo estranha o mundo que não sou eu. E o que sou eu também. Fome, dor, calor...

Nota mental: Pseudocompartilhar a solidão.

Todos os suicídios da história da humanidade, asseguro-vos-lho, foram cometidos por solidão. A incomensurável solidão de se suportar a realidade. Existem várias maneiras de se estar sozinho, mas, ao que parece, o estar sozinho com alguém por perto é infinitamente melhor para qualquer ser humano. Porque a solidão da realidade é inevitável. Ninguém passará pela sua vida por você. Ninguém sentirá o pisão no seu pé, a agulhada no seu braço. Sentir a realidade é um ato exclusivamente egoísta. Mas, novamente, ao que parece, quando há alguém com quem pseudo-compartilhar (isso é com ou sem hífen agora???) viver fica razoavelmente mais fácil. Este é o fundamento, incluisve, destas mequetrefas cibernéticas que espalham-se como filhos de rato pela internet: blogs, fotologs, twitters, orkuts, hi5's e adjascências. Talvez até num desespero consumista da sociedade de espetáculo: quanto mais gente souber da minha vida, melhor! Mas o fato é que, em maior ou menor grau a necessidade de compartilhar...