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Reprospectiva

É o último do ano. O que quer que seja, mas é o último. Após as 23h59 de hoje, nada mais poderá ser realizado, feito, pensado, comido, gasto, gozado, ignorado em 2009.
É o último do ano e a sensação que paira é a de tanto esforço para nada. Nadar, nadar e morrer na praia. Dar murro em ponta de faca. Todo o esforço - emocional, físico, financeiro - dispendido para promover (provocar?) as mudanças feitas em 2009, todo pelo ralo, enxaguado pela sensação de que se está exatamente no lugar de onde se saiu. A famosa "virada de 360°", como alguns intelectualmente abastados (abestados?) insistem em dizer. Tudo mudou e ainda assim nada aconteceu. Nada é como era e ainda assim, tudo está igual. Insuportavelmente igual.
Isso pode ser devido à brilhante idéia da nossa percepção de construir a ciclicidade das coisas. A tal da roda, deve ter sido provavelmente o maior eureca da humanidade. Vemos círculos por todos os lados. Dizem, uns, circunvolutivamente, e eu até gosto disso. Mas me pulga a orelha como a nossa cabecinha consegue conceber exatamente isso: um novamente que será absolutamente diferente, mas igual. Um novo ano, novamente janeiro, novamente carnaval, novamente o mesmo trabalho, o mesmo casamento, a mesma foda. Mas tudo será diferente! E isso só é possível por causa da brilhante idéia da ciclicidade das coisas. Primavera, verão, outono, inverno, primavera.
É o último do ano, e é a última vez que digo isso este ano. Para mim é claro o eterno retorno a curto prazo, versão melhorada da nietzscheniana - ou, se não melhorada, apenas adaptada ao apressamento contemporãneo - o último dia do ano sucks. E o primeiro dia do ano é sensacional. É como se 31/12 hipostasiasse a imagem arquetípica do fim, e dia 1°/01 o fizesse para a do começo. Fim: morte, finitude, depressão X Começo: nascimento, possibilidades, expressão.
Em verdade, em verdade vos digo, o que para mim encarna, enrubesce e avermelha estas imagens é justamente essa sensação de correr atrás do próprio rabo, que dá no dia 31, e que é tão forte, tão insuportavelmente fatídica que só se cura na epifania ilógica do 1° dia do ano, alimentando a fantasia de que algo de concreto acabara de acabar e outro algo tão concreto quanto inicia-se cheio de possibilidades, de caminhos e novidades.
Pois fica aqui o meu recado, a quem puder ouvir: nada começa nem acaba. É tudo mais do mesmo. É continuidade. Mas nada é perene. Tudo se renova, é ciclicidade. Tudo mudou, e ficou exatamente no mesmo lugar.
Durma com um barulho desses. Ano que vem tem mais.

Desejo um 2010 a todos vcs.

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