1 - Expresso da madrugada.
Laranjeiras, ponto de ônibus, 1h30 de sexta-feira. Táxis e mais táxis sobem e descem, mas estamos esperando um ônibus. Estamos quem? Eu. E antes de mim um casal. E depois um cara. E um outro cara. Todos parecem se conhecer, menos eu, não conheço nehnum deles.
Pegamos todos o mesmo ônibus, chegado depois de longos 20 minutos. O que acontece é que esta é uma hora especial para os ônibus: é a hora em que todos os funcionários de todas as categorias de todos os bares e restaurantes da redondeza, que fecharam há meia hora, hora e meia, estão indo para suas respectivas casas. Eu tb estou indo pra casa, mas não trabalho (não mais) em restaurante, não conheço ninguém. Ao contrário deles. Todos se conhecem, ou ao menos agem como se. Conhecem o motorista e o cobrador, e o motorista e o cobrador conhecem a todos eles e elas também.
De General Glicério ao INES o ônibus lota. E lota no Largo do Machado também. E lota no Catete. Eles vão em direção à Penha. Riem, conversam, falam do fim do ano. O motorista faz gracinha com todos que entram, um chega dizendo: "Todo mundo tem 'caixinha' (de gorjeta de fim de ano), manobrista tem, garçom tem, cumim tem, só esse cobrador que não tem!"
O ônibus lota e eu ali, de preto, maquiada, sou um OVNI - objeto viajante não identificado - no meio deles. O ônibus, como as motos de corrida, encosta o joelho no chão a cada curva. Estou sentada no banco imediatamente atrás do cobrador, com o rosto ventilando na janela como ficam os cachorros nos carros, e percebo que será um longo caminho até a porta traseira, quando chegar a hora de saltar. Me levanto então um ponto antes, mas dois dos grandes passam na roleta justo nessa hora e galgam o corredor lentamente na minha frente. Um deles me pergunta: "vai saltar?", "ã-hã!", e ele tenta apressar o da frente.
Chego à porta traseira, ainda aberta, com o ônibus já arrancando do que seria o meu ponto, situação ideal para gritar, junto com todos os 49 que se amontoavam na escada; "Ei! Ôoo!!!! Ô piloto, vai saltar!"; é, nessas horas, é bom entrar no espírito da coisa, em Roma, como os romanos! Desço aos bancos e trarrancos, e um rapaz simpático sentado nos degraus da porta arremata: "Mas também, tem que demorar tanto pra chegar na porta?"
Da rua, abro os braços para o alto e retruco: "Poooooooorra!!!!..." E ele: "Ah, ô..."
Fecha-se a porta. Cai o pano.
2 - Insetos S.A.
Eu nunca fui de matar formiga. Inclusive sempre me incomodei muito com aquelas pessoas que, espontaneamente, sentadas à mesa, pressionam a ponta do indicador sobre a mais ínfima formiguinha que arrisca passear pela toalha, e continuam conversando, sem nem olhar para o cadáver, como se fosse um gesto autômato, como se fosse um nada. Isso pra mim, diz de pessoas que não tem o menor respeito pela vida, pela vida alheia, pelo direito de uma formiga de passear onde bem entender. Porque matar alguém que não está te ameaçando, ora bolas?
Eu cheguei uma vez a deixar um móvel fora do lugar e uns dias sem varrer aquele pedaço de chão porque formigas haviam se conferenciado ali por algum motivo, e eu esperaria até todas se dissiparem para poder arrumar a varandinha.
Eu nunca fui de matar formiga. Até vir morar num lugar onde elas passaram a não estabelecer uma convivência pacífica com o meu gato. Na verdade, eles não brigam entre si, e o Denker sequer jamais reclamou delas diretamente a mim. Mas, desde que acá me mudei, elas invadem peremptoriamente a comida do bichano. No início era pior. Eu as expulsava, mas ao fim do dia, havia muita ração no pote de formigas. Então, movi o prato do gato de lugar, achando que esta brilhante idéia me pouparia de chacinas diárias. Nada feito. Pelo contrário, bastam alguns minutos de algo saboroso no chão - sim, porque aqui em casa não há meio termo: ou se está no chão ou se está no teto - um copo vazio de um líquido qualquer, um guardanapo esquecido, um farelo de pão que tenha escapado, e logo passeiam as formiguentas a se amontoar.
Pois bem, tive de mudar meus princípios, pessoa flexível que sou: aspiro-as! Não que tenha me tornado uma verdadeira Formigal Killer, continuo criticando os indicadores amassantes, mas não espero mais horas até que saiam de dentro do copo pra que o lave. Sim, é verdade, eu lavo o copo com as formigas dentro!
Atire a primeira pedra quem nunca matou um mosquito.
Laranjeiras, ponto de ônibus, 1h30 de sexta-feira. Táxis e mais táxis sobem e descem, mas estamos esperando um ônibus. Estamos quem? Eu. E antes de mim um casal. E depois um cara. E um outro cara. Todos parecem se conhecer, menos eu, não conheço nehnum deles.
Pegamos todos o mesmo ônibus, chegado depois de longos 20 minutos. O que acontece é que esta é uma hora especial para os ônibus: é a hora em que todos os funcionários de todas as categorias de todos os bares e restaurantes da redondeza, que fecharam há meia hora, hora e meia, estão indo para suas respectivas casas. Eu tb estou indo pra casa, mas não trabalho (não mais) em restaurante, não conheço ninguém. Ao contrário deles. Todos se conhecem, ou ao menos agem como se. Conhecem o motorista e o cobrador, e o motorista e o cobrador conhecem a todos eles e elas também.
De General Glicério ao INES o ônibus lota. E lota no Largo do Machado também. E lota no Catete. Eles vão em direção à Penha. Riem, conversam, falam do fim do ano. O motorista faz gracinha com todos que entram, um chega dizendo: "Todo mundo tem 'caixinha' (de gorjeta de fim de ano), manobrista tem, garçom tem, cumim tem, só esse cobrador que não tem!"
O ônibus lota e eu ali, de preto, maquiada, sou um OVNI - objeto viajante não identificado - no meio deles. O ônibus, como as motos de corrida, encosta o joelho no chão a cada curva. Estou sentada no banco imediatamente atrás do cobrador, com o rosto ventilando na janela como ficam os cachorros nos carros, e percebo que será um longo caminho até a porta traseira, quando chegar a hora de saltar. Me levanto então um ponto antes, mas dois dos grandes passam na roleta justo nessa hora e galgam o corredor lentamente na minha frente. Um deles me pergunta: "vai saltar?", "ã-hã!", e ele tenta apressar o da frente.
Chego à porta traseira, ainda aberta, com o ônibus já arrancando do que seria o meu ponto, situação ideal para gritar, junto com todos os 49 que se amontoavam na escada; "Ei! Ôoo!!!! Ô piloto, vai saltar!"; é, nessas horas, é bom entrar no espírito da coisa, em Roma, como os romanos! Desço aos bancos e trarrancos, e um rapaz simpático sentado nos degraus da porta arremata: "Mas também, tem que demorar tanto pra chegar na porta?"
Da rua, abro os braços para o alto e retruco: "Poooooooorra!!!!..." E ele: "Ah, ô..."
Fecha-se a porta. Cai o pano.
2 - Insetos S.A.
Eu nunca fui de matar formiga. Inclusive sempre me incomodei muito com aquelas pessoas que, espontaneamente, sentadas à mesa, pressionam a ponta do indicador sobre a mais ínfima formiguinha que arrisca passear pela toalha, e continuam conversando, sem nem olhar para o cadáver, como se fosse um gesto autômato, como se fosse um nada. Isso pra mim, diz de pessoas que não tem o menor respeito pela vida, pela vida alheia, pelo direito de uma formiga de passear onde bem entender. Porque matar alguém que não está te ameaçando, ora bolas?
Eu cheguei uma vez a deixar um móvel fora do lugar e uns dias sem varrer aquele pedaço de chão porque formigas haviam se conferenciado ali por algum motivo, e eu esperaria até todas se dissiparem para poder arrumar a varandinha.
Eu nunca fui de matar formiga. Até vir morar num lugar onde elas passaram a não estabelecer uma convivência pacífica com o meu gato. Na verdade, eles não brigam entre si, e o Denker sequer jamais reclamou delas diretamente a mim. Mas, desde que acá me mudei, elas invadem peremptoriamente a comida do bichano. No início era pior. Eu as expulsava, mas ao fim do dia, havia muita ração no pote de formigas. Então, movi o prato do gato de lugar, achando que esta brilhante idéia me pouparia de chacinas diárias. Nada feito. Pelo contrário, bastam alguns minutos de algo saboroso no chão - sim, porque aqui em casa não há meio termo: ou se está no chão ou se está no teto - um copo vazio de um líquido qualquer, um guardanapo esquecido, um farelo de pão que tenha escapado, e logo passeiam as formiguentas a se amontoar.
Pois bem, tive de mudar meus princípios, pessoa flexível que sou: aspiro-as! Não que tenha me tornado uma verdadeira Formigal Killer, continuo criticando os indicadores amassantes, mas não espero mais horas até que saiam de dentro do copo pra que o lave. Sim, é verdade, eu lavo o copo com as formigas dentro!
Atire a primeira pedra quem nunca matou um mosquito.
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Estranhe.