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Minha vida no teatro.

Abre-se pesada cortina vermelha. Palco intimista, luzes azuladas. Uma mesa de madeira ao centro, deitada de costas sobre ela, com papéis e um lap top, fumo um cigarro.
Entra um homem, seu rosto sempre na sombra. Retira-me da situação em que estou e interage comigo até não poder mais, até que, para cima dele, eu tome toda a cena, e ele desapareça de vez na escuridão da cochia.
Luz alaranjanda, apenas um foco na boca de cena. Arrasto-me até ele. Diálogo interminável comigo mesma. Monólogo. Expressão corporal intensa que acompanha os 32 sentimentos diferentes que expresso no texto. Audio ao fundo, sinfonia, bem baixinho. Monólogo; sinfonia crescendo. Monólogo; sinfonia aumentando de volume. Monólogo fading out, sinfonia cada vez mais alta, não se escuta mais o que digo.
Estirada ao centro do palco, luzes de fundo, 5 atores/atrizes entram em cena arrastando-se no chão como baratas, vêm por todos os lados ao meu encontro, até parecermos uma massa disforme que movimenta-se em uníssono ao rés do chão. De repente todos se esgueiram para a escuridão como ratos. Não há mais ninguém no palco.
Luzes azuladas. Entra homem do rosto nas sombras, entro eu. Frente à frente, ao centro de tudo, ele toda meu rosto com a mão direita, eu toco seu rosto com a mão direita.
Cai o pano. Sinfonia.

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