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Minha vida na poesia - 1

"(...)Leve o diabo a vida e a gente a tê-la
Nem leio o livro à minha cabeceira.
Enjoa-me o Oriente. É uma esteira
Que a gente enrola e deixa de ser bela.

Caio no ópio por força. Lá querer
Que eu leve a limpo uma vida destas
Não se pode exigir. Almas honestas
Com horas pra dormir e pra comer,

Que uma raio as parta! E isto afinal é inveja.
Porque estes nervos são a minha morte.
Não haver um navio que me transporte
Para onde eu nada queira que não o veja!

Ora! Eu cansava-me do mesmo modo.
Qu'ria outro ópio mais forte para ir de ali
Para sonhos que dessem cabo de mim
E pregassem comigo nalgum lodo.

Febre! Se isto que tenho não é febre,
Não sei como é que se tem febre e sente.
O fato essencial é que estou doente.
Está corrida, amigos, esta lebre.

Veio a noite. Tocou já a primeira
Corneta, para vestir para o jantar.
Vida social por cima! Isso! E marchar
Até que a gente saia p'la coleira!

Porque isso acaba mal e há de haver
(Olá!) sangue e um revólver lá pro fim
Deste desassossego que há em mim
E não há forma de se resolver."

Opiário. (A. de C.)

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