Pular para o conteúdo principal

A Esperança é a última que... foge.

"Então, Prometeu subiu aos céus e roubou as sementes do fogo 'à roda do sol', trazendo-as depois para a terra, escondidas num tronco oco. Dessa feita, a vingança de Zeus foi exemplar. Prometeu foi acorrentado no Cáucaso com correntes de ferro, e uma águia, nascida de Equidina, a Víbora Monstruosa, devorava-lhe o fígado, que sempre renascia. O suplício durou até o dia em que Hércules, com uma flecha, abateu a águia e libertou o gigante de suas correntes. Mas como Zeus jurara pela Estige que Prometeu permaneceria eternamente preso à montanha, decidiu-se que o juramento seria mantido se o gigante, libertado, usasse um anel de aço no qual estivesse encastoado um fragmento da rocha. A punição dos mortais foi ainda mais severa, pois irremediável. Zeus pediu a Hefaísto (Hefesto) e à deusa Atená que criassem um ser ainda desconhecido, ao qual cada um dos deuses ornaria com uma qualidade. Esse ser foi a Mulher; e, como ela recebera tantos dons, foi chamada de Pandora (a que tem todos os dons). Possuía a beleza, a graça, a habilidade manual, a persuasão, mas Hermes colocara também em seu coração a mentira e a astúcia. Conta-se que Zeus presenteou-a a Epimeteu, o irmão de Prometeu, e que esse - esquecendo o conselho de seu irmão, de não receber nenhum presente de Zeus - foi seduzido pela beleza de Pandora e a aceitou. Ora, havia em algum lugar da terra um vaso onde estavam encerrados todos os males. Uma tampa impedia que o conteúdo escapasse do vaso. Tão logo chegou à terra, Pandora encontrou o vaso e, devorada pela curiosidade, abriu-o. Então todos os males escaparam e se espalharam entre os mortais. Mas Pandora, espantada, fechou o vaso, e somente a Esperança, que estava no fundo, continuou prisioneira.
Uma outra versão dizia que o vaso, dado por Zeus a Pandora como presente de núpcias, continha todos os bens, mas a imprudente Pandora deixou-os escapar e eles voltaram à morada dos deuses. Tanto em uma como na outra versão, a Esperança conserva-se como o único consolo que restou aos homens."

(GRIMAL, Pierre. A Mitologia Grega. Brasiliense: São Paulo, 1987. pp 37-38)

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-

Não feliz.

Tudo bem? Não. Quantos esperam ouvir esta resposta quando cumprimentam alguém? Por que esta é uma resposta possível. Não, não estou bem. Não, as coisas não vão bem, e não, não está tudo bem comigo. Mas não é o que esperam, pois "tudo bem?" não é uma pergunta sincera. É apenas uma expressão idiomática usada para abrir comunicações informais. Quem pergunta não quer realmente saber se vc está bem ou se sofre. Quer apenas introduzir um assunto de interesse de ambos - ou não. E mais: quem pergunta, por mais que se importe, não quer mesmo ouvir que nada vai bem como resposta. É proibido não ser feliz. Se eu pergunto se está tudo bem, a resposta deve ser "sim, tudo vai bem comigo! e com você aí? Vai bem também? Tão bem como vai comigo? Tão bem ou melhor ainda?". Ora, deixem-me em paz! Deixem a tristeza em paz! Não, as pessoas não estão bem sempre e sim, tem horas em que tudo está uma grande merda. Mas por inúmeros motivos, ninguém sabe lidar com isso. Temos todos que se