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Amor - parte 1: Idiossincrasias.

As pessoas me parecem tão interessantes, e elas assim me o parecem porque são quem são e não outros, mas elas mesmas. Chama-se idiossincrasia. Às vezes, observo alguém que carrega balas Halls na bolsa, e diz, comprando um pacote assim que o anterior ainda está pela metade: "não vivo sem elas!", e acho isso lindo! Quão interessante! Tenho certeza absoluta que alguém se deixaria seduzir infinitamente por esta característica tão peculiar que pertence tanto à intimidade daquela pessoa que quase passa despercebida.
Outros tem um jeito peculiar de arrumar o dinheiro na carteira. Outros usam adoçante na caipirinha. Outros usam o humor como ponte para seus relacionamentos. Outros estão sempre com as unhas pintadas. Outros são exigentes e sempre reclamam de quase tudo, pois quase tudo não está dentro dos seus padrões de exigência. E eu sempre acho praticamente impossível alguém não se apaixonar por estas pessoas. Não se apaixonar pelos seus detalhes, pela maneira como mexem nos cabelos, pelo jeito de andar, pelo timbre da voz. Uma mulher decidida de voz grave e aparente controle da situação é apaixonante. Um homem escrachado, que fala alto e conhece a todos por onde passa, também. Uma menina, arrumadinha, vestida de rosa e com escova no cabelo é irresistível. Um jovem rapaz, de jaleco branco, formando-se em medicina também.
Eu poderia ficar horas aqui citando características e suas composições, porque simplesmente acho apaixonantes todos os traços que fazem do outro quem ele é. Fazer de nós todos infinitamente diferentes uns dos outros, embora assutadora e reconhecidamente iguais: essa é a função das idiossincrasias. Mas por que será que são tão sedutoras? O que é que há em nós que vê nas formas peculiares do outro aquilo a que se deseje amar?
Arrisco uma opinião: somos seduzidos por estes detalhes do outro com o mesmo fascínio com o que descobrimos terras novas, novos sabores e aromas, novas sensações, com o mesmo deslumbramento de se pisar na Lua. Sim, na Lua! O outro, enquanto asteróide que orbita ao nosso redor é terreno inexplorado que pode vir a nos proporcionar incríveis descobertas - ou esconder alienígenas verdes! - e que desperta em nós uma enorme curiosidade justamente porque nele a gravidade é diferente, nele a atmosfera é outra, nele sempre há um pacotinho de balas Halls, e eu adoraria saber o que diabos é isso!
O outro sempre será o estrangeiro nos visitando, com seus idiomas, seus costumes, suas crenças, e nós sempre seremos o estrangeiro a visitar o outro, com todos os nossos pré-conceitos e concepções. E é esse jeito estranho de caminhar, essa mania de tamborilar com os dedos sobre a mesa, esse isqueiro que mais parece um maçarico e que só ele/ela tem que nos encanta, porque nesse pequeno detalhe está impressa toda a precisão da alteridade que faz do outro um que não eu.
Enfim, há quem chame uns pequenos detalhes por nomes como "TOC", "obssessividade", "compulsão", "rituais obssessivos", "transferência neurótica", "apego prolongado ao objeto transicional", "autoerotismo", entre outros... e eu digo: "abaixo à patologização das idiossincrasias!!!"
Afinal, nos apaixonaremos por elas, com ou sem cura....

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