O fenômeno Susan Boyle. Recebi o link para este vídeo e deletei-o consecutivamente trocentas vezes até recebê-lo de alguém a quem dedico atenção privilegiada às coisas que me envia; portanto, "assisti-o-o".
Quadro: reality show competitivo com alto índice de futilidade (redundância), um júri que encarna diferentes personagens, impondo (fantasiosamente) uma atmosfera de medo e apreensão aos concorrentes, platéia ensandecida lotada de pessoas que não tem mais o que fazer de suas vidas a não ser observar a vida alheia de forma zoofílica (sim, sou cruel em alguns julgamentos). Soma-se a isso a concorrente: mulher vinda de uma cidade do interior, com um tipo físico e endumentária completamente fora dos padrões estéticos sugeridos por este tipo de audiência/programação, e ainda, de idade avançada (???). Resultado: o óbvio. Ela começa sendo ridicularizada, mas quando inicia àquilo a que se propôs ao estar ali (no caso, cantar), deixa a todos boquiabertos, estupefatos. Sai vitoriosa, ovacionada, cercada de discursos sobre respeito, solidariedade, diferenças, "imagem-não-é-nada-sede-é-tudo", e afins.
Minha primeira constatação sobre isso é a de que tenho tendências a desconfiar de happy endings, principalmente vindos através de câmeras, hollywoodianas ou similares. Mas o que eu penso sobre a autenticidade disso não vem ao caso, porque, como vimos, eu posso ser muito cruel nos meus julgamentos.
O que interessa aqui é o debate que se segue à pergunta: o que ela foi fazer ali? Desdobrando: o que leva uma pessoa como ela a ir até uma platéia como aquela, num programa como esse? Confesso que este questionamento se deve em grande parte a um aspecto de mim mesma que tem problemas com certas modalidades de exposição pública e que insiste na idéia de que pessoas talentosas/íntegras/sérias não se submeteriam a estas modalidades de exposição. Para tentar filtrar meus pré-conceitos, podemos abrir a questão para: o que leva alguém, qualquer um a ir até lá e se expor? Fama? Sucesso em pó instantâneo? Desejo de poder? Podemos dizer que sim, mas esta é uma explicação redutiva que leva em conta apenas os aspectos sombrios do que nos move. E como sou cruel mas não sou fanática, penso que deve haver mais por trás disso.
Voltemos ao exemplo de nossa querida Susan. Uma mulher que não condiz com os padrões vigentes e largamente disseminados pelas mídias globalizantes, de beleza, sucesso, moda, idade, etc. Se expõe a ser ridicularizada, todos riem dela. Quando chega sua vez, põe para fora toda a beleza de sua alma. Quantos contos de fadas não contamos para nossos filhos ou ouvimos de nossos pais com este mesmo enredo? É o óbvio, mas o óbvio aqui chama-se arquetípico. A heroína da história vai à guerra contra as madrastas más, conquistar respeito, dignidade, transformar valores, angariar reconhecimento.
Estamos agora onde eu queria chegar: reconhecimento. Susan Boyle cantava aos quatro ventos no seu pequeno vilarejo, mas quem a ouvia? Seu marido? Filhos? Parentes e amigos? Animais de estimação? As árvores, flores, campos, pradarias, todo o céu, nuvens, sol, lua e estrelas? Pode ser que tenha sido pouco. A alma tem necessidade de se sentir pertencendo a toda a humanidade. E em tempos de globalização, essa comunhão parece se tornar mais premente.
Então, o que de fato levaria uma pessoa a se submeter ao crivo tendencioso de pessoas que, em menor escala social, seriam diametralmente diferentes dela própria? E afirmo tendencioso porque não há julgamento humano imparcial que não seja influenciado pelas nossas tendências pessoais, pela nossa história de vida, por quem nós somos. Susan era uma, eles muitos, e a imagem inicial era a de um Neo contra uma enxurrada de Smiths na chuva.
Mas ao colocar o belo mobilizador de alma que ela tinha em si para fora, a ovação denunciou que este fast-fairytale (em analogia com os fast-foods ícones da contemporâneidade) tocou em cada um estes sentimentos típicamente humanos que dizem respeito à rejeição-aceitação, à diferenciação-pertença, ao respeito-invasividade, à conquista do valor da alma que garante lugar ao sol entre os diferentes tão iguais entre si.
Cantando, Susan pertenceu, e sua música mobilizou em quem a assitia o mesmo sentimento de humanidade, identificando-se através das vivências históricas de que somos herdeiros. Um belo pocket de conto de fadas. Para completar a obra, Susan canta, de Les Miserábles, o trecho em que Fantine se encontar sozinha, desempregada, sem eira nem beira, fala de um tempo de doçura que já se foi, fala de sonhos sonhados e que não se realizaram;
"I had a dream my life would be
Sonhei que minha vida seria
So different from this hell I'm living
Tão diferente deste inferno em que vivo
So different now from what it seemed
Tão diferente agora do que parecia
Now life has killed the dream I dreamed.
Agora a vida assassinou o sonho que sonhei"
E eu, do alto da minha pinta de durona, senti os olhos umedecerem, porque como todos que somos, I also dreamed a dream... e não quero perder-me no eco do vazio.
Quadro: reality show competitivo com alto índice de futilidade (redundância), um júri que encarna diferentes personagens, impondo (fantasiosamente) uma atmosfera de medo e apreensão aos concorrentes, platéia ensandecida lotada de pessoas que não tem mais o que fazer de suas vidas a não ser observar a vida alheia de forma zoofílica (sim, sou cruel em alguns julgamentos). Soma-se a isso a concorrente: mulher vinda de uma cidade do interior, com um tipo físico e endumentária completamente fora dos padrões estéticos sugeridos por este tipo de audiência/programação, e ainda, de idade avançada (???). Resultado: o óbvio. Ela começa sendo ridicularizada, mas quando inicia àquilo a que se propôs ao estar ali (no caso, cantar), deixa a todos boquiabertos, estupefatos. Sai vitoriosa, ovacionada, cercada de discursos sobre respeito, solidariedade, diferenças, "imagem-não-é-nada-sede-é-tudo", e afins.
Minha primeira constatação sobre isso é a de que tenho tendências a desconfiar de happy endings, principalmente vindos através de câmeras, hollywoodianas ou similares. Mas o que eu penso sobre a autenticidade disso não vem ao caso, porque, como vimos, eu posso ser muito cruel nos meus julgamentos.
O que interessa aqui é o debate que se segue à pergunta: o que ela foi fazer ali? Desdobrando: o que leva uma pessoa como ela a ir até uma platéia como aquela, num programa como esse? Confesso que este questionamento se deve em grande parte a um aspecto de mim mesma que tem problemas com certas modalidades de exposição pública e que insiste na idéia de que pessoas talentosas/íntegras/sérias não se submeteriam a estas modalidades de exposição. Para tentar filtrar meus pré-conceitos, podemos abrir a questão para: o que leva alguém, qualquer um a ir até lá e se expor? Fama? Sucesso em pó instantâneo? Desejo de poder? Podemos dizer que sim, mas esta é uma explicação redutiva que leva em conta apenas os aspectos sombrios do que nos move. E como sou cruel mas não sou fanática, penso que deve haver mais por trás disso.
Voltemos ao exemplo de nossa querida Susan. Uma mulher que não condiz com os padrões vigentes e largamente disseminados pelas mídias globalizantes, de beleza, sucesso, moda, idade, etc. Se expõe a ser ridicularizada, todos riem dela. Quando chega sua vez, põe para fora toda a beleza de sua alma. Quantos contos de fadas não contamos para nossos filhos ou ouvimos de nossos pais com este mesmo enredo? É o óbvio, mas o óbvio aqui chama-se arquetípico. A heroína da história vai à guerra contra as madrastas más, conquistar respeito, dignidade, transformar valores, angariar reconhecimento.
Estamos agora onde eu queria chegar: reconhecimento. Susan Boyle cantava aos quatro ventos no seu pequeno vilarejo, mas quem a ouvia? Seu marido? Filhos? Parentes e amigos? Animais de estimação? As árvores, flores, campos, pradarias, todo o céu, nuvens, sol, lua e estrelas? Pode ser que tenha sido pouco. A alma tem necessidade de se sentir pertencendo a toda a humanidade. E em tempos de globalização, essa comunhão parece se tornar mais premente.
Então, o que de fato levaria uma pessoa a se submeter ao crivo tendencioso de pessoas que, em menor escala social, seriam diametralmente diferentes dela própria? E afirmo tendencioso porque não há julgamento humano imparcial que não seja influenciado pelas nossas tendências pessoais, pela nossa história de vida, por quem nós somos. Susan era uma, eles muitos, e a imagem inicial era a de um Neo contra uma enxurrada de Smiths na chuva.
Mas ao colocar o belo mobilizador de alma que ela tinha em si para fora, a ovação denunciou que este fast-fairytale (em analogia com os fast-foods ícones da contemporâneidade) tocou em cada um estes sentimentos típicamente humanos que dizem respeito à rejeição-aceitação, à diferenciação-pertença, ao respeito-invasividade, à conquista do valor da alma que garante lugar ao sol entre os diferentes tão iguais entre si.
Cantando, Susan pertenceu, e sua música mobilizou em quem a assitia o mesmo sentimento de humanidade, identificando-se através das vivências históricas de que somos herdeiros. Um belo pocket de conto de fadas. Para completar a obra, Susan canta, de Les Miserábles, o trecho em que Fantine se encontar sozinha, desempregada, sem eira nem beira, fala de um tempo de doçura que já se foi, fala de sonhos sonhados e que não se realizaram;
"I had a dream my life would be
Sonhei que minha vida seria
So different from this hell I'm living
Tão diferente deste inferno em que vivo
So different now from what it seemed
Tão diferente agora do que parecia
Now life has killed the dream I dreamed.
Agora a vida assassinou o sonho que sonhei"
E eu, do alto da minha pinta de durona, senti os olhos umedecerem, porque como todos que somos, I also dreamed a dream... e não quero perder-me no eco do vazio.
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Estranhe.