Fernando Pessoa era um estrangeirista por excelência. Tão estranhava-se nele mesmo, que foi necessário que criasse outros eus para dar conta do seu estranhamento no mundo. E foi na pele de Alberto Caeiro que escreveu este fantástico estranhamento que lemos um post atrás.
Abram bem os olhos e percebam a nitidez do estrangeirismo em cada verso, em cada estrofe:
"Meu olhar é nítido como um girassol
(...)
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo..."
O mundo é uma novidade a todo tempo para o estrangeirista. Há um misto de perda de referências - porque tudo é novo todo o tempo - com um sentimento profundo de pertença que, como fica claro neste Pessoa, chega até nós através dos sentidos: não se pensa no mundo; sabe-se-o.
É muito semelhante ao que encontramos em Lispector, há uns posts atrás, quando ela fala da perfeição das coisas. Não se pensa no mundo porque "O Mundo não se fez para pensarmos nele(Pensar é estar doente dos olhos)Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...", e estaremos de acordo porque cada coisa é exatamente aquilo que é e deve ser. Sem mais nem menos.
Em outro poema, Alberto Caeiro fala de como vê o mundo do alto da colina, do centro de sua aldeia, da varanda de sua casa. Me fez pensar que há uma diferença substancial nesse estranhamento que se segue à vida quando o mundo é este mundo de sol, árvore, luar, flores e montes, para o estranhamento que vivemos quando estamos soterrados pela intervenção do homem. Talvez, penso eu cá com meus botões, haja uma perda significativa deste sentimento de pertença que podemos ter com o mundo, quando o mundo é sol, árvore, luar, flores e montes, no mundo que criamos de sóis, árvores, luares, flores e montes sintéticos e digitalizados.
Já foi falado aqui do fascínio da cidade, deste conceito de cidade, que, continuo afirmando, deve ser a invenção mais bem bolada da humanidade. Acho inclusive possível esse sentimento de pertença se mostrar em comunhão com a cidade. Mas há, cada vez mais, um atropelamento na demanda da cidade que aparece como sintoma no estrangeirismo de quem ainda consegue andar em suspensão e não submergir no caldo nosso de cada dia.
O que eu quero dizer com isso? (Será que um dia eu vou conseguir explicar tudo o que ando dizendo por aqui?) Outro dia conversava eu com um interlocutor de minhas loucuras, e surgiu em mim um pensamento que anotei, com a tag "escrever sobre isso depois". Tratava-se do conceito - ou pré-conceito, no sentido de que não é um conceito terminado, mas, antes, um esboço de conceito - de "sociedade da ansiedade". Falávamos sobre programas de televisão de 15 minutos, sobre a pressa das pessoas, como coelhos da Alice: "não tenho tempo, estou atrasado!!" Já se falou em sociedade de controle, sociedade de espetáculo, e agora eu digo (com a pouca autoridade que me cabe): a onda do momento é 'sociedade da ansiedade'.
Quando Caeiro diz: "(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?) Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê", ele vive o tempo do seu estranhamento, viver espontanemanente o Deus Mundo como se lhe apresenta. O desenrolar da nossa sociedade, que de épocas pra cá assassinou nietzschenianamente seu próprio deus, pensa saber mais de deus do que deus de si próprio, conquanto todo o divino é agora manipulável em laboratório. Fábricas de alma e de emoções humanas, ômessa!
Qual a consequência disso? Nosso estranhamento vira também ansiedade. Onde quer que vá, ando me deparando com o sintoma desta geração: sentem-se sozinhos, atropelados, perdendo tempo, estranhos, incapazes, deprimidos, prostrados, incompreendidos, sozinhos, sozinhos, sozinhos. Os "submersos" parecem reagir a isso com total naturalidade: aceitação. Aceitação do tempo que não é o tempo, mas uma paródia de tempo que passa muito mais rápido do que seria existencialmente saudável - digamos assim. Assim, nem uns nem outros percebem a perfeição lispectoriana do sol, árvore, luar, flores e montes de Pessoa. Aceitar ou estranhar a ansiedade é continuar correndo, apenas cada um em uma direção. Porque estranhar é preciso, mas, novamente, é preciso pertencer também. E pertencer, nao é submergir, mas é, no jogo do estranhamento, saber-se parte deste todo que está fora e dentro ao mesmo tempo. Que se é e que se não é. Que é diferente e é igual. Que eu estranho e que pertenço.
Sem pressa. No tempo do olhar e ver as "cousas" como elas são.
...a seguir, uma imagem escrita e musicada de um estrangeirismo ansioso...
Abram bem os olhos e percebam a nitidez do estrangeirismo em cada verso, em cada estrofe:
"Meu olhar é nítido como um girassol
(...)
E o que vejo a cada momento
É aquilo que nunca antes eu tinha visto,
E eu sei dar por isso muito bem...
Sei ter o pasmo essencial
Que tem uma criança se, ao nascer,
Reparasse que nascera deveras...
Sinto-me nascido a cada momento
Para a eterna novidade do Mundo..."
O mundo é uma novidade a todo tempo para o estrangeirista. Há um misto de perda de referências - porque tudo é novo todo o tempo - com um sentimento profundo de pertença que, como fica claro neste Pessoa, chega até nós através dos sentidos: não se pensa no mundo; sabe-se-o.
É muito semelhante ao que encontramos em Lispector, há uns posts atrás, quando ela fala da perfeição das coisas. Não se pensa no mundo porque "O Mundo não se fez para pensarmos nele(Pensar é estar doente dos olhos)Mas para olharmos para ele e estarmos de acordo...", e estaremos de acordo porque cada coisa é exatamente aquilo que é e deve ser. Sem mais nem menos.
Em outro poema, Alberto Caeiro fala de como vê o mundo do alto da colina, do centro de sua aldeia, da varanda de sua casa. Me fez pensar que há uma diferença substancial nesse estranhamento que se segue à vida quando o mundo é este mundo de sol, árvore, luar, flores e montes, para o estranhamento que vivemos quando estamos soterrados pela intervenção do homem. Talvez, penso eu cá com meus botões, haja uma perda significativa deste sentimento de pertença que podemos ter com o mundo, quando o mundo é sol, árvore, luar, flores e montes, no mundo que criamos de sóis, árvores, luares, flores e montes sintéticos e digitalizados.
Já foi falado aqui do fascínio da cidade, deste conceito de cidade, que, continuo afirmando, deve ser a invenção mais bem bolada da humanidade. Acho inclusive possível esse sentimento de pertença se mostrar em comunhão com a cidade. Mas há, cada vez mais, um atropelamento na demanda da cidade que aparece como sintoma no estrangeirismo de quem ainda consegue andar em suspensão e não submergir no caldo nosso de cada dia.
O que eu quero dizer com isso? (Será que um dia eu vou conseguir explicar tudo o que ando dizendo por aqui?) Outro dia conversava eu com um interlocutor de minhas loucuras, e surgiu em mim um pensamento que anotei, com a tag "escrever sobre isso depois". Tratava-se do conceito - ou pré-conceito, no sentido de que não é um conceito terminado, mas, antes, um esboço de conceito - de "sociedade da ansiedade". Falávamos sobre programas de televisão de 15 minutos, sobre a pressa das pessoas, como coelhos da Alice: "não tenho tempo, estou atrasado!!" Já se falou em sociedade de controle, sociedade de espetáculo, e agora eu digo (com a pouca autoridade que me cabe): a onda do momento é 'sociedade da ansiedade'.
Quando Caeiro diz: "(Que mais sei eu de Deus que Deus de si próprio?) Obedeço-lhe a viver, espontaneamente, Como quem abre os olhos e vê", ele vive o tempo do seu estranhamento, viver espontanemanente o Deus Mundo como se lhe apresenta. O desenrolar da nossa sociedade, que de épocas pra cá assassinou nietzschenianamente seu próprio deus, pensa saber mais de deus do que deus de si próprio, conquanto todo o divino é agora manipulável em laboratório. Fábricas de alma e de emoções humanas, ômessa!
Qual a consequência disso? Nosso estranhamento vira também ansiedade. Onde quer que vá, ando me deparando com o sintoma desta geração: sentem-se sozinhos, atropelados, perdendo tempo, estranhos, incapazes, deprimidos, prostrados, incompreendidos, sozinhos, sozinhos, sozinhos. Os "submersos" parecem reagir a isso com total naturalidade: aceitação. Aceitação do tempo que não é o tempo, mas uma paródia de tempo que passa muito mais rápido do que seria existencialmente saudável - digamos assim. Assim, nem uns nem outros percebem a perfeição lispectoriana do sol, árvore, luar, flores e montes de Pessoa. Aceitar ou estranhar a ansiedade é continuar correndo, apenas cada um em uma direção. Porque estranhar é preciso, mas, novamente, é preciso pertencer também. E pertencer, nao é submergir, mas é, no jogo do estranhamento, saber-se parte deste todo que está fora e dentro ao mesmo tempo. Que se é e que se não é. Que é diferente e é igual. Que eu estranho e que pertenço.
Sem pressa. No tempo do olhar e ver as "cousas" como elas são.
...a seguir, uma imagem escrita e musicada de um estrangeirismo ansioso...
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Estranhe.