Pular para o conteúdo principal

Nota mental: Pseudocompartilhar a solidão.

Todos os suicídios da história da humanidade, asseguro-vos-lho, foram cometidos por solidão. A incomensurável solidão de se suportar a realidade.
Existem várias maneiras de se estar sozinho, mas, ao que parece, o estar sozinho com alguém por perto é infinitamente melhor para qualquer ser humano. Porque a solidão da realidade é inevitável. Ninguém passará pela sua vida por você. Ninguém sentirá o pisão no seu pé, a agulhada no seu braço. Sentir a realidade é um ato exclusivamente egoísta. Mas, novamente, ao que parece, quando há alguém com quem pseudo-compartilhar (isso é com ou sem hífen agora???) viver fica razoavelmente mais fácil.
Este é o fundamento, incluisve, destas mequetrefas cibernéticas que espalham-se como filhos de rato pela internet: blogs, fotologs, twitters, orkuts, hi5's e adjascências. Talvez até num desespero consumista da sociedade de espetáculo: quanto mais gente souber da minha vida, melhor! Mas o fato é que, em maior ou menor grau a necessidade de compartilhar o incompartilhável se faz notar em todos, em todo tempo, em todo lugar.
Compreender a idéia de se estar irremediavelmente sozinho requer um esforço sobrehumano (acho que tinha hífen...) e, na maioria esmagadora dos casos, é algo tão insuportável que a isso não se reserva um canto sequer do pensamento.
Qual não é o paradoxo: a solitude absoluta é, ao mesmo tempo o insuportável e o inerente inevitável da existência!
Algumas pessoas são menos sozinhas, outra mais. A conclusão que chego é que quanto maior o reconhecimento da solidão existencial, mais real ela se torna. Quanto mais se nega, menos sozinho se está. Que ironia esta da realidade, favorecer aqueles que negam sua verdade. Assim, mede-se a felicidade de um sujeito pelo número de amigos que tem adicionado no orkut. Ou por quantas vezes seu celular recebe sms's num dia. Ou por quantas pessoas ele cumprimenta ao chegar sozinho na balada. E a solidão de existir, onde fica? E o tempo para sentir? Sim, porque, quando estamos envolvidos nas realidades alheias, quando é que vamos sentir o pisão no nosso pé, a agulhada no nosso braço?
Um transeunte pode me perguntar: mas, e aí, isso é bom? Por que é preciso sentir a solidão da realidade? Reposta: não, não é bom. Chega a ser ruim. É, na verdade, esmagador. Não há ninguém com quem contar. Irremediavelmente sozinhos. E, como diria o cartão, precisar, não precisa. Mas se um dia chegardes a saber quem és, passarás inevitavelmente por isso, caro amigo.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-

Soneteando meio torto.

Singrando em minha pele Teu corpo vai, sem hora E o tempo de outrora Não faz que se revele. Se não mais vivo aquele Penar que de outra vez Corroía minha tez Teu olhar que assim sele Compromisso de não ter às vistas de quem olha Compromisso algum de ser Pois que noite que o valha Se vem deste teu prazer Vale mil tu'a migalha.