"Não saberemos jamais se o outro, com o qual não podemos, apesar de tudo, confundir-nos, opera, a partir dos elementos de sua existência social, uma síntese que coincide exatamente com a que elaboramos. Mas não é necessário ir tão longe, é preciso somente - e para tanto, o sentimento interno basta - que a síntese, mesmo aproximativa, decorra da experiência humana." Lévi-Strauss, C. Antropologia Estrutural Dois. Tempo Brasileiro: RJ, 1993.
Lévi-Strauss falava aí de uma síntese entre a dimensão objetiva da observação empírica e a dimensão subjetiva da vivência do observador. Sua aposta - fundamentada por ele em Mauss - é que, uma vez que somos homens observando a vivência de homens, nossa humanidade basta para confiar na aproximação da análise do etnólogo com a idéia que o próprio nativo faz de sua realidade, criando uma verdade a partir da interseção de duas subjetividades.
O modo como coloquei aqui pode fazer parecer simplória esta afirmação, mas é que me furto de discorrer longamente, algo de que o próprio autor já se ocupou (leiam o livro). Mas, enfim, Lévi-Strauss não era filósofo nem dado à psicologia, mas a idéia presente nesta afirmação é um tema central em ambas as ciências: o problema da verdade objetiva x verdade subjetiva.
Quando Lévi-Strauss sugere que a síntese aproximativa entre objetividade e subjetividade decorra da experiência humana, se fia na premissa de que o etnólogo estará ancorado no saber antropológico, o que garantiria o valor científico desta síntese, logo, seu status de verdade. A questão é quando saímos do âmbito da ciência para o da vida cotidiana e aplicamos a mesma fórmula.
A tendência sempre é que façamos nossa própria síntese aproximativa daquilo que vemos e do outro, partindo da noção já mais que batida aqui de que vivenciamos nossas experiências do mundo sozinhos. Mas o que na vida cotidiana difere fundamentalmente da etnologia é o fato de que, por trás das nossas avaliações e sínteses não há nenhum amparo teórico, base filosófica, nem campo de saber epistêmico que direcione nossas impressões.
Muito pelo contrário, o que vem dar pitaco na nossa interpretação pessoal de mundo são mesmo nossos complexos - 'complexos' aqui não tem o sentido do senso comum, mas é usado como o termo original cunhado por Jung, significando núcleos psíquicos que agregam conteúdos com forte valor emocional. Dissonâncias nas nossas avaliações causadas por complexos de grande apelo ocasionam a relação neurotizada com conteúdos que chegam ao ego, tanto os vindos de fora como os que brotam de dentro de nós mesmos, e isso é o que chamamos de neurose.
É assim que dizemos que as neuroses interferem na vida das pessoas, impedindo que estas se relacionem diretamente com a alteridade, literalmente "se metendo no meio" e transformando a compreensão de mundo do sujeito.
É então que questiono: no caso do etnólogo - posto que comecei o texto com o exemplo deles - apenas o embasamento científico da antropologia é garantia de que na verdade, boa parte das suas sínteses realidade objetiva-subjetividade não sejam distorcidas por uma relação neurótica com o outro, tranformando sua etnografia?
Claro que minha intenção aqui não é descontruir dois séculos de sociologia/antropologia, mas apenas me ocorre o quão fundamental é que nosso julgamento crítico acerca dos autores tenha sempre em mente a humanidade daquele que escreve, que o fato de ser humano faz de sua obra uma obra humana, repleta de pequenos espelhinhos que refletem em si as idiossincrasias de seu criador, para o bem, e para o mal.
Na verdade, não era minha intenção escrever nada disso aqui. Não era esse o assunto. Quando peguei este texto de Lévi-Strauss em mãos e me deparei com este trecho, não pude me conter em dizer "lindo!". Porque entendi que em pouco mais de um parágrafo, ele havia sintetizado a essência do relacionamento inter-humano no que diz respeito a compreensão de que cada um se relaciona com o mundo próprio que cria, mas, sim, isso é bastante, posto que criamos mundos muito semelhantes, já que somos esmagadoramente diferentes (o outro, com o qual não podemos, apesar de tudo, confundir-nos) e irremediavelmente iguais (é preciso somente - e para tanto, o sentimento interno basta - que a síntese decorra da experiência humana).
Lévi-Strauss falava aí de uma síntese entre a dimensão objetiva da observação empírica e a dimensão subjetiva da vivência do observador. Sua aposta - fundamentada por ele em Mauss - é que, uma vez que somos homens observando a vivência de homens, nossa humanidade basta para confiar na aproximação da análise do etnólogo com a idéia que o próprio nativo faz de sua realidade, criando uma verdade a partir da interseção de duas subjetividades.
O modo como coloquei aqui pode fazer parecer simplória esta afirmação, mas é que me furto de discorrer longamente, algo de que o próprio autor já se ocupou (leiam o livro). Mas, enfim, Lévi-Strauss não era filósofo nem dado à psicologia, mas a idéia presente nesta afirmação é um tema central em ambas as ciências: o problema da verdade objetiva x verdade subjetiva.
Quando Lévi-Strauss sugere que a síntese aproximativa entre objetividade e subjetividade decorra da experiência humana, se fia na premissa de que o etnólogo estará ancorado no saber antropológico, o que garantiria o valor científico desta síntese, logo, seu status de verdade. A questão é quando saímos do âmbito da ciência para o da vida cotidiana e aplicamos a mesma fórmula.
A tendência sempre é que façamos nossa própria síntese aproximativa daquilo que vemos e do outro, partindo da noção já mais que batida aqui de que vivenciamos nossas experiências do mundo sozinhos. Mas o que na vida cotidiana difere fundamentalmente da etnologia é o fato de que, por trás das nossas avaliações e sínteses não há nenhum amparo teórico, base filosófica, nem campo de saber epistêmico que direcione nossas impressões.
Muito pelo contrário, o que vem dar pitaco na nossa interpretação pessoal de mundo são mesmo nossos complexos - 'complexos' aqui não tem o sentido do senso comum, mas é usado como o termo original cunhado por Jung, significando núcleos psíquicos que agregam conteúdos com forte valor emocional. Dissonâncias nas nossas avaliações causadas por complexos de grande apelo ocasionam a relação neurotizada com conteúdos que chegam ao ego, tanto os vindos de fora como os que brotam de dentro de nós mesmos, e isso é o que chamamos de neurose.
É assim que dizemos que as neuroses interferem na vida das pessoas, impedindo que estas se relacionem diretamente com a alteridade, literalmente "se metendo no meio" e transformando a compreensão de mundo do sujeito.
É então que questiono: no caso do etnólogo - posto que comecei o texto com o exemplo deles - apenas o embasamento científico da antropologia é garantia de que na verdade, boa parte das suas sínteses realidade objetiva-subjetividade não sejam distorcidas por uma relação neurótica com o outro, tranformando sua etnografia?
Claro que minha intenção aqui não é descontruir dois séculos de sociologia/antropologia, mas apenas me ocorre o quão fundamental é que nosso julgamento crítico acerca dos autores tenha sempre em mente a humanidade daquele que escreve, que o fato de ser humano faz de sua obra uma obra humana, repleta de pequenos espelhinhos que refletem em si as idiossincrasias de seu criador, para o bem, e para o mal.
Na verdade, não era minha intenção escrever nada disso aqui. Não era esse o assunto. Quando peguei este texto de Lévi-Strauss em mãos e me deparei com este trecho, não pude me conter em dizer "lindo!". Porque entendi que em pouco mais de um parágrafo, ele havia sintetizado a essência do relacionamento inter-humano no que diz respeito a compreensão de que cada um se relaciona com o mundo próprio que cria, mas, sim, isso é bastante, posto que criamos mundos muito semelhantes, já que somos esmagadoramente diferentes (o outro, com o qual não podemos, apesar de tudo, confundir-nos) e irremediavelmente iguais (é preciso somente - e para tanto, o sentimento interno basta - que a síntese decorra da experiência humana).
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Estranhe.