Pular para o conteúdo principal

Mais do mesmo.




Mais do mesmo. É uma possibilidade de ser, ser mais do mesmo. Se perder em meio a todos os rostos da multidão. Mas quem há de julgar se, de súbito, o estranhamento nos açoitar pelas costas e então... separarmo-nos? Ora, mas todos irão, claro!!!!! Originalmente, não fomos criados (no sentido de educação e não de intencionalidade da criação divina!) para, estranhando, diferenciarmo-nos. A horda dependia disso. O totem dependia disso. O sistema depende disso. Não estamos fazendo nada de novo. Estamos apenas fazendo de novo.


A não ser o estranhar, o estranhar é sempre novo, porque é único e individual. Ninguém estranha como eu. E vice-versa. A grande sacada deste jogo é que o mesmo estranhamento que foi fundamental para a invenção da roda, o domínio do fogo, o surgimento da escrita cuneiforme, é o mesmo estranhamento que não pode ser inscrito na individualidade. Porque aí jaz a separação, a diferenciação.
Ser mais do mesmo é o apelo midiático - e, como li em uma outra estrangeira, a mídia de todos os tempos, da criação do mundo, da antiguidade clássica, da globalizada - "sejamo-nos!" Mas, ao invés de malhar este Judas, há que se convir: ser humano, demasiadamente humano é um processo essencialmente humano.
Ou hão de pensar que os caminhos tomam o viés que tomam simplesmente à contragosto de toda a humanidade? Nada pode se furtar ao zeitgeist. Somos frutos de nosso tempo, e se havemos de estranhar, estranhamos aquilo que nos é dado a estranhar. Estranha afirmação em tempos em que tanto se fala em liberdade, não?
Nos voltemos então ao existencialismo: nossa liberdade é liberdade de escolher entre as opções que nos são dadas, certo?
O Mito de ER: escolhemos em vida o que fazer com os caminhos possíveis dentro do destino que já havemos escolhido - e esquecido - antes mesmo de encarnarmos.
E ainda, o Deus judaico-cristão: nos permite o livre arbítrio dentro de seus desígnios.
Imagino que estas três últimas afirmações venham a gerar polêmica entre tal ou qual estranhador - e que assim o seja, do contrário estranhadores não seriam - mas não pretendo me prolongar segundo a mais em qualquer uma delas; meu assunto é o estrangeirismo. Chegamos a isso porque falávamos do que nos é dado a estranhar. Não se ofendam, liberdadeiros de plantão, mas a total liberdade é uma falácia. E que bom que o seja!! Imaginem, ter a total falta de referência para escolher absolutamente qualquer coisa no mundo, como aparentemente os comerciais de celular e refrigerantes nos querem fazer crer?
Sei que pareço estar cada vez mais divagando, afastando-me do estranhamento, mas é justamente ele que me faz buscar cada vez mais longe as idéias para falar sobre si; o estranhamento provoca uma sobreflexão de si mesmo, e quanto mais nos afastamos das terras conhecidas, mais nos familiarizamos com nossa estrangeiridade. Dito isto, é assim que fui a todos estes lugares ideáticos para trazer a afirmação: o estrangeirismo é um mecanismo de regulação social. De maneira: imaginem agora se todos fossem iguais? Imaginem agora se todos fossem diferentes.
Em verdade, em verdade vos digo, o estrangeirismo existencial é um fenômeno exclusivamente individual, que só pode ser sentido cada um em si, considerando a inexistência factual de uma identidade única absoluta entre duas ou mais pessoas; e é ainda um fenômeno social idiossincrático, considerando a massificação de identidade que ocorre em todo grupo social.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob...

Estrangeirismo no corpo.

Imagine-se um feto. Quieto. Imerso. Confortável. Aparentemente seguro. Literal e metaforicamente boiando. Agora imagine que, sem menos esperar, uma forte pressão começa a te mover para baixo, mais pressão, mais pressão. Dor. Do conforto da imersão para o esforço de respirar. Do líquido ameno para pressão, dor, temperatura. Da escuridão para a luz. Do silêncio sussurante para o som do choro. Desespero. O que é isso?! O mínimo que você pode fazer neste momento é estranhar. Eu acredito que é este o momento no qual o estranhamento se inscreve no corpo - porque tudo antes de mais nada se inscreve no corpo. Agora, você é um estrangeiro, acabado de chegar. Antes você pertencia a um corpo que agora não te pertence mais, e passar-se-ão alguns meses até que você desconfie que você é diferente. Um estranho, alheio, um estrangeiro. Existe então um outro. Outro este que não sou eu, corpo outro que não o meu. E ainda: meu corpo estranha o mundo que não sou eu. E o que sou eu também. Fome, dor, calor...

Nota mental: Pseudocompartilhar a solidão.

Todos os suicídios da história da humanidade, asseguro-vos-lho, foram cometidos por solidão. A incomensurável solidão de se suportar a realidade. Existem várias maneiras de se estar sozinho, mas, ao que parece, o estar sozinho com alguém por perto é infinitamente melhor para qualquer ser humano. Porque a solidão da realidade é inevitável. Ninguém passará pela sua vida por você. Ninguém sentirá o pisão no seu pé, a agulhada no seu braço. Sentir a realidade é um ato exclusivamente egoísta. Mas, novamente, ao que parece, quando há alguém com quem pseudo-compartilhar (isso é com ou sem hífen agora???) viver fica razoavelmente mais fácil. Este é o fundamento, incluisve, destas mequetrefas cibernéticas que espalham-se como filhos de rato pela internet: blogs, fotologs, twitters, orkuts, hi5's e adjascências. Talvez até num desespero consumista da sociedade de espetáculo: quanto mais gente souber da minha vida, melhor! Mas o fato é que, em maior ou menor grau a necessidade de compartilhar...