Pular para o conteúdo principal

Tudo sobre assalto.

Tudo o que você sempre quis saber sobre assalto, mas os ladrões nunca tiveram tempo de te responder.

Madrugada de sexta 20 para sábado 21/11/2009. Lapa, Rio de Janeiro, Brasil.

Nada melhor para a fome das 3 da manhã do que as barraquinhas da Lapa. Tem cachorro-quente, salsicha ou linguiça, com ou sem pleto. Tem hamburguer, x-burguer, x-tudo, x-bacon, x-egg-bacon-salada-tudo-burguer, tem milho, tem salsichão, tem queijo coalho. E tem pizza. Quero uma dessa aqui, meu amigo também. E um guaravita. Prontas, agora vamos sentar ali nos degraus do gramadinho. Muito boa, que pizza gostosa a essa hora! Mas e esse rapaz que passa frente a nós, perto demais? Tem nada não, é apenas mais um ser humano existindo por aqui.
Exceto pelo: "Calminha aí, vou levar só o celular!" "NÃO!", e me curvo protegendo meu colo da mão insidiosa. O que ele não contara, na frase anterior é que ele era cinco. Ou seis. Me debato, mas a mão continua investindo contra meu estômago, derruba minha pizza, outra mão me acerta a boca, outra mão me alcança o escapulário no pescoço, outra mão, alcança o bolso do meu amigo, outra mão arranca-lhe a correntinha que tinha desde pequeno. Minhas mãos lutam uma contra a mão que me alcança o celular, outra contra a que me arranca e leva metade do escapulário, fico com metadinha. Vão-se. E com eles o dinheiro e cordão do meu amigo, meu celular, metade do meu escapulário, meu dinheiro, minhas chaves de casa, meu cartão do banco, a capa da minha máquina, onde tudo estava.
Vão-se? Não é possível. Meu sangue quente de batráquio ferve. Me levanto, não é possível. Não é possível!!! Vou atrás! Meu amigo - vamos chamá-lo de Rená - tenta me dissuadir da idéia, mas nada pára uma locomotiva sem freios. Vou atrás, mas cadê-los? Vejo uma estação policial estacionada no mesmo lugar de sempre, a menos de dez metros de onde lutávamos com várias mãos. Vou até lá e com os olhos cheios de água e fogo, invisto: "Acabamos de ser roubados, nos levaram tudo, não tenho como entrar em casa, façam algo!" Eles são dois, como Rená e eu somos dois e como os ladrões eram seis - ou cinco. Andam alguns centírmetros na direção de onde dissemos que tudo ocorreu. Nada podem fazer. Faço-os andar mais um pouco comigo. Nada podem fazer. Reclamo. Desafio. Atrevo-me. Nada podem fazer. Nada podem fazer? Vocês estão aqui todos os dias, insisto, vocês sabem perfeitamente quem são as pessoas que atuam por aqui, atancando indefesos comedores de pizza!!! Não é possível. Me dizem que só poderiam fazer algo, se eu identificasse agora os ladrões, em algum lugar. Eu, que deveria estar sob a proteção deles, é quem tem que dar a cara a tapa. Me dizem que se fosse a irmã deles, a esposa, a mãe... que sabem como é, mas que... Mas que o que???? Eu desafio novamente: "Duvido que se fosse a sua esposa você estaria aqui parado dizendo a ela isso que me diz agora!" E parados ficaram.
Fervendo, rodei toda a Lapa. No caminho, ainda pude traumatizar um rapaz que nunca mais virá encostar numa menina desconhecida sem ser convidado. Já que a polícia pára, eu rodo. Decidida que estava a recuperar minhas chaves por mim mesma, já que a polícia pára. Mas os rapazes são faceiros, já deviam estar há horas dali. Ou muito perto, invisíveis, rindo da minha panacéia. Rená esforçava-se por acompanhar meu passo, desviar dos obstáculos que eu atropelava, tentar me alcançar e me fazer parar. Enfim, desisti, frustrada e com muita raiva da negligência alheia. Voltei à estação dos palhaciais e avisei-lhes que queria fazer um R.O - registro de ocorrência, termo que, sincrônicamente, aprendera por aqueles dias - e me disseram que só na delegacia mais próxima. Nem pra isso serviam. O que diabos estariam mesmo fazendo lá?
O celular de Rená, que milagrosamente escapou ileso, serviu-nos para contactar outros amigos que estavam pelas redondezas. Estes nos levaram até a famigerada delegacia da Gomes Freire. No caminho, eu quicava como boxeador e esmurrava muros até ficar com a mão roxa. Fervia.
Já na delegacia, vivi situações perfeitas exemplares do dito: "seria cômico se não fosse trágico!" Fui atendida por um "Inspetor de polícia" - seja lá o que isso queira dizer - que me recebeu com a seguinte pérola, dentre outras: "Minha senhora, o que aconteceu não é culpa minha!" Deve ser minha então. A essa altura, Rená já havia sido levado por outros amigos embora, e um outro - vamos chamá-lo de Sellos - me acompanhava na feitura do R.O. Sellos me segurava na cadeira e me apertava, sinalizando que eu deveria evitar dar as respostas que me vinham, a cada desaforo descabido do Espetor de palhícia. Me perguntou se havia um rapazote assim, assim e assado no meio deles, e embora eu dissesse que não lembrava, que não poderia reconhcer ninguém além do que estava diretamente na minha frente - e mesmo assim, pero no mucho - me fez ir pra sala de reconhecimento. Registro no livro do "Esta é a sua vida, querida!": eu estava às 3h40 da manhã de um sábado, num cubículo olhando por um vidro, onde um MENOR DE IDADE  era coagido a olhar diretamente para o que ele enxergava como espelho, sob frases do tipo: "olha pra frente, rapá, ou você acha que só porque é menor vou te livrar a cara?", e empurrões e afins. Estava em Hollywood.
Ao final do R.O., em que o espetor oscilava entre mais manso e desagradável, ainda ouvi: "Olha, psicóloga precisa ser mais calma, como vai atender os pacientes assim?" "OS MEUS PACIENTES NÃO ME ATACAM NO MEIO DA RUA!" É mole ou quer mais? Eu queria ser filha de ministro do TJ nessas horas. Ou de um coronel qualquer, já ajudava. Disse também que era bom - "BOM"?!?!?! - pra eu ver que não se deve andar por esses lugares. "Esses lugares - respondi - é onde eu MORO!"
Saí de lá, enfim, com um R.O. e nenhuma solução, já que não serviu nem mesmo pra amenizar o prejuízo, já que a CLARO não aceitou o documento pra anular minha carência, por causa de dois meses. Sellos me deixou na casa de meus parentes, onde sei que posso me abrigar das enchentes, e foi-se. Já pra mim, a saga ainda estava apenas na metade. Uma boca roxa e muitos desacatos de palhaciais depois, eu ainda tinha que cancelar cartão de banco e pedir outro, bloquear chip e aparelho de celular, arrumar um chaveiro pra poder entrar em casa, providenciar um celular novo com meu número de volta, desinchar os olhos de tanta raiva.
No fim das contas, o saldo para os ladrões foi de uma correntinha e meia, 3 chaveiros velhos e 80 pratas, que dividindo entre eles, não daria lá grandes coisas. Ah, e uma capinha de máquina fotográfica que pode servir pra guardar suas drogas e afins.
Já pra mim...
Dinheiro roubado: R$60,00
Chaveiro: R$160,00
Escapulário na Vozes: R$13,00
Celular da Hello Kitty SEM desconto na Claro com chip novo: R$543,00
Poder contar essa história no meu blog: NÃO TEM PREÇO.

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 1

Toda casa está apagada; há uma panela besuntada de azeite sobre o fogo alto da primeira boca direita do fogão. O filme está pausado. Toda a casa está apagada. A luz da cozinha lança penumbra sobre a sala e o banheiro. Ela já não cabe em si mesma e não sabe ao certo o que fazer com isso. Sai dois passos além da porta da cozinha, e, segurando o saco com seus últimos milhos, gira noventa graus para se deparar com a sala. Toda a casa está apagada. O que é isso que ela vê? A panela superaquecida fumega sobre a primeira boca direita do fogão, e ela não entende o que vê. Não não entende de um estado confusional, mas de uma certa perplexidade com a realidade. É isso, ela está perplexa com o que parece ser real. Na sala penumbrada os tons de vermelho sobressaem e ela olha vagarosamente da direita para a esquerda, como se quisesse ver, enquanto o filme continua em pausa e a panela fumega prevendo um incêndio que não acontecerá. Ela retoma o curso do fazer. Os milhos caem fazendo estardalhaço sob...

Estrangeirismo no corpo.

Imagine-se um feto. Quieto. Imerso. Confortável. Aparentemente seguro. Literal e metaforicamente boiando. Agora imagine que, sem menos esperar, uma forte pressão começa a te mover para baixo, mais pressão, mais pressão. Dor. Do conforto da imersão para o esforço de respirar. Do líquido ameno para pressão, dor, temperatura. Da escuridão para a luz. Do silêncio sussurante para o som do choro. Desespero. O que é isso?! O mínimo que você pode fazer neste momento é estranhar. Eu acredito que é este o momento no qual o estranhamento se inscreve no corpo - porque tudo antes de mais nada se inscreve no corpo. Agora, você é um estrangeiro, acabado de chegar. Antes você pertencia a um corpo que agora não te pertence mais, e passar-se-ão alguns meses até que você desconfie que você é diferente. Um estranho, alheio, um estrangeiro. Existe então um outro. Outro este que não sou eu, corpo outro que não o meu. E ainda: meu corpo estranha o mundo que não sou eu. E o que sou eu também. Fome, dor, calor...

Estrangeirismo

Estrangeirismo. Extranjero. Étranger. Étrange. Strange. Stranger. Estranho. Platão, pai da filosofia como nós a conhecemos desta metade da laranja, vê no estranhamento a origem da filosofia. O Homem começa a filosofar porque sente este estranho estranhamento do mundo. Eros é quem filosofa, esse daimon do intermédio que está entre a sabedoria e a falta de recursos. Eros é impulsionamento, e se não lhe houvesse a falta, não lhe haveria o movimento. Por outro lado, temos a já enxovalhada frase que afirma que "o Homem é um ser gregário". Vivemos no outro. Nos constituímos no jogo de identificação e diferenciação com o outro. No olhar do outro. No toque. É preciso estranhar. Mas é preciso pertencer também. A solidão é um tema arquetípico dos mais densos, e pertence ao mundo do estranhamento, da não pertença, do estrangeirismo em todo lugar. Quantas pessoas devem sentir-se assim em todo mundo, estrangeiras em qualquer lugar? "Eu não sou daqui, marinheiro só", deve chamar-...