Pular para o conteúdo principal

Postagens

Mostrando postagens de 2009

Reprospectiva

É o último do ano. O que quer que seja, mas é o último. Após as 23h59 de hoje, nada mais poderá ser realizado, feito, pensado, comido, gasto, gozado, ignorado em 2009. É o último do ano e a sensação que paira é a de tanto esforço para nada. Nadar, nadar e morrer na praia. Dar murro em ponta de faca. Todo o esforço - emocional, físico, financeiro - dispendido para promover (provocar?) as mudanças feitas em 2009, todo pelo ralo, enxaguado pela sensação de que se está exatamente no lugar de onde se saiu. A famosa "virada de 360°", como alguns intelectualmente abastados (abestados?) insistem em dizer. Tudo mudou e ainda assim nada aconteceu. Nada é como era e ainda assim, tudo está igual. Insuportavelmente igual. Isso pode ser devido à brilhante idéia da nossa percepção de construir a ciclicidade das coisas. A tal da roda, deve ter sido provavelmente o maior eureca da humanidade. Vemos círculos por todos os lados. Dizem, uns, circunvolutivamente, e eu até gosto disso. Mas me pu

Metades

Não mais aceitar metades. Ou copo cheio, ou copo vazio. Existem montes de textos sobre isso, e tenho-os visto muito recentemente em posts, blogs, scraps, links e toda essa mequetrefa cybernáutica de meus amigos e amigas. Nunca dei muita bola, porque sempre cheirei esses assuntos com cara de autoajuda. Nunca dou muita bola para textos de autoajuda. Por outro lado, existe o conceito junguiano que sempre me caiu muito bem de sincronicidade. Se tantos textos sobre este assunto me aparecem à frente, motivo deve haver. Meu inconsciente chama essa temática à frente de meus olhos, como quem diz: ACORDA! Foi essa a conclusão a que cheguei esta madrugada, porque as conclusões são filhas indissociáveis das madrugadas. Em algum lugar da Bíblia, diz-se: "Venha quente ou venha frio, se vier morno te devoro!", ou algo do gênero. E é curioso olhar para trás  - e esse 'trás' começa no segundo passado da letra 'a' - e re-conhecer que foi sempre assim que vivera. Nunca me en

Contículos

1 - Expresso da madrugada. Laranjeiras, ponto de ônibus, 1h30 de sexta-feira. Táxis e mais táxis sobem e descem, mas estamos esperando um ônibus. Estamos quem? Eu. E antes de mim um casal. E depois um cara. E um outro cara. Todos parecem se conhecer, menos eu, não conheço nehnum deles. Pegamos todos o mesmo ônibus, chegado depois de longos 20 minutos. O que acontece é que esta é uma hora especial para os ônibus: é a hora em que todos os funcionários de todas as categorias de todos os bares e restaurantes da redondeza, que fecharam há meia hora, hora e meia, estão indo para suas respectivas casas. Eu tb estou indo pra casa, mas não trabalho (não mais) em restaurante, não conheço ninguém. Ao contrário deles. Todos se conhecem, ou ao menos agem como se. Conhecem o motorista e o cobrador, e o motorista e o cobrador conhecem a todos eles e elas também. De General Glicério ao INES o ônibus lota. E lota no Largo do Machado também. E lota no Catete. Eles vão em direção à Penha. Riem, conve

Tudo sobre assalto.

Tudo o que você sempre quis saber sobre assalto, mas os ladrões nunca tiveram tempo de te responder. Madrugada de sexta 20 para sábado 21/11/2009. Lapa, Rio de Janeiro, Brasil. Nada melhor para a fome das 3 da manhã do que as barraquinhas da Lapa. Tem cachorro-quente, salsicha ou linguiça, com ou sem pleto. Tem hamburguer, x-burguer, x-tudo, x-bacon, x-egg-bacon-salada-tudo-burguer, tem milho, tem salsichão, tem queijo coalho. E tem pizza. Quero uma dessa aqui, meu amigo também. E um guaravita. Prontas, agora vamos sentar ali nos degraus do gramadinho. Muito boa, que pizza gostosa a essa hora! Mas e esse rapaz que passa frente a nós, perto demais? Tem nada não, é apenas mais um ser humano existindo por aqui. Exceto pelo: "Calminha aí, vou levar só o celular!" "NÃO!", e me curvo protegendo meu colo da mão insidiosa. O que ele não contara, na frase anterior é que ele era cinco. Ou seis. Me debato, mas a mão continua investindo contra meu estômago, derruba minha p

De que.

De que adianta uma escada se não subo. De que adianta uma televisão se não assisto. De que adiantam lençóis se não me cubro. De que adianta silêncio se não ouço. De que adiantam livros e quadros se não enxergo. De que adianta a voz se não falo. De que adianta o colo se não páro. De que adianta o vento se não resfrio. De que adianta www se não conecto. De que adianta o plug se eu não tomada. De que adianta o vinho se não bebo. De que adianta mesa se não almoço. De que adianta dinheiro se não gasto. De que adianta companhia se não conto. De que adiantam claves se não toco. De que adianta outlook se eu não express. De que adianta editar se eu não publico. De que adianta a foto se não reconheço. De que adianta a receita se não cozinho. De que adianta espera se não amo. De qua adiantam mãos se não encosto. De que adianta a boneca se não brinco. De que adianta subir se não olho pra baixo. De que adiantam dedos se não aponto. De que adiantam teclas se não escrevo. De que adianta tela se não

Suspensão.

Eu queria que algo acontecesse. Que algo aparecesse. Que algo me surpreendesse. Que algo se impusesse. Que algo surgisse. Que algo me arrastasse. Que algo é esse? Suspensão. Como na química, quando uma substância está em suspensão, em álcool a tantos por cento, está imersa naquilo, em suspensão; suspende-se a substância que ela é para poder tornar-se a substância em potencial que virá a ser. Mas não o sabe. Ela não sabe que substância tornar-se-á. Estou em suspensão. Porque não sei o vir-a-ser. O devir. Que devenha. O exercício de as coisas não estarem sob controle. Não que estejam descontroladas. Mas que estão não sob o seu controle. Estão sob controle outro que não se controla daqui, sabe-se deus de onde então. E que difícil! O exercício de aguardar, já que não é daqui que se controla o tempo, o algo que não chega nunca o dia em que me arrebate, meu deus! Pra quem anda rápido demais, esperar colher maduro pode ser muito penoso. Mas se torna necessário, depois de tantas frutas verdos

Tète-a-tète.

Atente-se para o Tudo que há tamanho tempo percorre a Terra. É tanto o que traz atrás de si, que a tentação de terminar é intermitente, mas finda por encerrar-se no peito tamborilante da mãe telúrica. Tarda o Ocidente a luzir, e os Trópicos trespassam translúcidos o diâmetro terrestre. Todavia, o Tudo se alastra, aterrorizando uns, tranquilizando outros, enternecendo terceiros. Atabalhoado, quem observa, tranforma-se, uno com o Tudo, contudo, ainda um. Tempera-se, assim, o Tudo com os traços de quem nele transforma-se, fazendo o somatório do todo, que Mãe Terra sustenta e alimenta. Tenho para mim, que tudo o que toco é Tudo, o tangível tergiversando no todo de que faz parte, e trago em mim a totalidade transcendente no imanente da minha tenra imagem.

Arretância.

Adorava a história de que nascera 15 dias antes do previsto. Quando soube a primeira vez, foi como se toda sua vida se tivesse explicado por aquele simples fato. Divertia-se ao contar e recontar isso a quem quisesse ouvir; empombava-se de orgulho para dizer que nascera naquele dia, o seu dia, não definido por ninguém, por médicos, calendários, agendas, feriados: no dia em que ela própria escolhera nascer. Agradava-a também a idéia de que tinha pressa em ir ver o mundo, a verdadeira contestação da psicanálise: sim, era muito bom estar no conforto e segurança do útero materno, mas chega!, queria correr os riscos da vida lá fora, sozinha, por si mesma. Nada de colinho da mamãe; ela queria correr riscos. Logo descobriria que essa fora a primeira de muitas escolhas que haveria de fazer na vida. Aliás, tudo seria escolha, todo o tempo, e ela não recuaria diante das opções. Nascer antes do previsto significava para ela o prenúncio de sua personalidade a se desenvolver. Nunca foi de ficar em c

Incompletude

Há muito não escrevo. Há muito não escrevo algo que seja realmente aquilo que escrevo, o que quero escrever, que saia de mim mesma. Há muito não escrevo e é como se silenciasse, um período de silêncio existencial. Não porque não escrevo. Não preciso escrever pra existir. Mas porque não escrever é sinônimo de algo. Não escrever sobre a existência é sinal ou sintoma de que há um algo na existência que está diferente, que está, talvez, imóvel, ou desconectado, ou inerte. É como se a vida fosse passando me atropelando. Me atropelando sempre está. Não é isso. É como se deixasse de pensar no que me acontece, deixasse de sentir. Uma vida não sentida. Só posso escrever do sofrimento de existir. Já dissera aqui outrora que a calmaria existencial é veneno para minha criatividade. Mas a descoberta é que esse sofrimento de existir não significa problemas, doenças, perdas, acontecimentos ruins na vida, não significa apenas isso. Sofrimento de existir é sentir-se na existência, sentir que as coisas

Minha vida na poesia - 1

"(...)Leve o diabo a vida e a gente a tê-la Nem leio o livro à minha cabeceira. Enjoa-me o Oriente. É uma esteira Que a gente enrola e deixa de ser bela. Caio no ópio por força. Lá querer Que eu leve a limpo uma vida destas Não se pode exigir. Almas honestas Com horas pra dormir e pra comer, Que uma raio as parta! E isto afinal é inveja. Porque estes nervos são a minha morte. Não haver um navio que me transporte Para onde eu nada queira que não o veja! Ora! Eu cansava-me do mesmo modo. Qu'ria outro ópio mais forte para ir de ali Para sonhos que dessem cabo de mim E pregassem comigo nalgum lodo. Febre! Se isto que tenho não é febre, Não sei como é que se tem febre e sente. O fato essencial é que estou doente. Está corrida, amigos, esta lebre. Veio a noite. Tocou já a primeira Corneta, para vestir para o jantar. Vida social por cima! Isso! E marchar Até que a gente saia p'la coleira! Porque isso acaba mal e há de haver (Olá!) sangue e um revólver lá pro fim Deste desassosseg

Minha vida no teatro.

Abre-se pesada cortina vermelha. Palco intimista, luzes azuladas. Uma mesa de madeira ao centro, deitada de costas sobre ela, com papéis e um lap top, fumo um cigarro. Entra um homem, seu rosto sempre na sombra. Retira-me da situação em que estou e interage comigo até não poder mais, até que, para cima dele, eu tome toda a cena, e ele desapareça de vez na escuridão da cochia. Luz alaranjanda, apenas um foco na boca de cena. Arrasto-me até ele. Diálogo interminável comigo mesma. Monólogo. Expressão corporal intensa que acompanha os 32 sentimentos diferentes que expresso no texto. Audio ao fundo, sinfonia, bem baixinho. Monólogo; sinfonia crescendo. Monólogo; sinfonia aumentando de volume. Monólogo fading out, sinfonia cada vez mais alta, não se escuta mais o que digo. Estirada ao centro do palco, luzes de fundo, 5 atores/atrizes entram em cena arrastando-se no chão como baratas, vêm por todos os lados ao meu encontro, até parecermos uma massa disforme que movimenta-se em uníssono ao rés

Minha vida no cinema.

Câmera em primeira pessoa, é o olhar da personagem. Pra onde ela olha, enquadra-se a imagem em tons ora acinzentados, ora fúscia ou grená, ora em technicolor. Violino ao fundo. Violoncelo. Diálogos perdidos dos passantes, confusos, fragmentários. Cenas em movimento. Poderia estar dentro de um ônibus, a camêra sacolejaria olhando pela janela um dia chuvoso. Nada mais feliz que um dia chuvoso e frio. Rabecas mais rápidas. Luzes da cidade à noite. Flashes de mãos que seguram copos, que abraçam cinturas, que mexem nos cabelos. Fumaça de cigarro. Piano. Diálogo entre partes de dois corpos enudescendo-se. Ombro. Pescoço. Costas. Cabelos. Um olho bem aberto, que se fecha e aperta-se. Manhã chuvosa. Um clássico orquestrado. Olhar fixo num transeunte qualquer, acompanhando sua passagem pela rua. Um pé atrás do outro, All Star surrado. Cenas em fast foward, passagem do dia para o entardecer. Um chorinho em cochabamba. Mesa de bar. Par de pernas sob uma saia rodada que se cruzam sugerindo um joel

Tempo e temperatura.

Aqueles instantes no sofá foram tamanhos que nem vi tempo onde só havia temperatura. Poderiam - deveriam - ter durado a eternidade. Cada segundo seria então toda uma estação, e o meu tempo se marcaria na sua temperatura. Outono dos seus braços, verão da sua boca, primavera dos seus olhos, e, quando chegou o inverno, você afastou-se, chegou o inverno quando você se afastou. Procurei em vão ver tempo onde só havia temperatura, na sala fria demais porque seu calor era só seu, pensei estar delirando. O cheiro do seu calor foi se entranhando em minha pele e eu poderia ver o tempo parar onde sentia sua temperatura. Como uma criança abandonada, irritei o íntimo da minha alma e com ele derrubei todos seus livros. Baguncei o seu tapete, joguei para o alto suas almofadas e todo o tempo só o que havia era temperatura, inflamada e quente. Eu estava ali, ao alcance do seu braço, para a hora em que você quisesse voltar. Te olhava me olhar e não sei bem o que via, a vista turva de desejo. Te olhava m

Amor - parte 4: Transitoriedade

Todo amor é transitório. Primeiramente, porque nada no mundo permanece, e o amor, como algo que é, não fugiria à regra. "Segundamente", em virtude de ser o amor o que é: amor; e assim o sendo, não poderia ser de outra forma senão transitório. Aquele que transita, que faz o trânsito entre lugares e coisas, de uma coisa para outra, em movimento. Hoje eu amo o preto, amanhã o branco; hoje amo em cima, amanhã em baixo; hoje amo, amanhã desamo. Não me refiro à finitude: amor não acaba. Transitoriedade. Já amei uma infinidade tão grande de pessoas, a algumas delas, amei-as por alguns segundos, o tempo que durou o ônibus parado no sinal, eu a observá-las. E era amor, tenho certeza. Algumas pessoas são tão facilmente amáveis, que alguns segundos no trânsito basta para amá-las, vivê-las, esquecê-las. Como todo amor na sua transitoriedade. Se for eterno, não é amor, é outra coisa. Ou não é nada, a única coisa que permanece. Se se ama alguém há muitos anos, por toda a vida, ou nos últim

Liberdade compartilhada - 2.

Estar junto de alguém não tem a ver com amor, tem a ver com ética. Amar, pode-se a alguém, sem estar junto dessa pessoa. Ou estar-se junto sem amar. Pode-se ainda amar estando junto, mas não haver ética na relação (talvez não seja não haver ética, mas não haver acordo entre as éticas de cada um dos dois), e então esse estar junto torna-se uma obrigação insustentável, ou uma relação assombrada por pontos de escape e fuga. O amor pode sucumbir à patologia, a ética não. Amor sem ética pode tornar-se possessivo, a autonomia de certos complexos pode se impor sobre a relação, tornando-a conflituosa, priorizando escolhas neurotizadas em detrimento do estar junto. A ética é essencialmente relacional. Minha ética é ética para com o outro. É a ética que define meu comportamento e minhas escolhas face ao outro e não o amor. O amor aproxima, a ética mantém próximo. Amor fala de projeção, que funde aquilo que é meu na imagem que faço do outro. Ética fala de respeito pela diferença que o outro é. O

Liberdade compartilhada.

Taí algo sobre o quê eu realmente desconheço se alguém no mundo há de concordar comigo... É sobre o sentir das coisas. Penso cá que o sentir é um derivativo muito mais do 'como' do que do 'o quê'. Pensem na morte. Quão cruel é lidar com a perda de alguém que se vai trágica e precocemente, face a outrem que parte tranquilo em seu sono, e na idade devida? Às vezes me pego pensando se não superestimo as pessoas, acreditando que podem lidar com as coisas da melhor maneira possível, e, na hora do famigerado "vamos ver", acaba a forma subjugando o conteúdo e resultando em sentimentos mais dolorosos do que poderiam ser. É como se na primeira GM, antes da penicilina, dos primeiros socorros, da morfina, onde os ferimentos eram os mesmos, mas as formas precárias de cuidá-los resultavam em amputações e mortes. Mas, seguindo com essa analogia - muito estranha, diga-se de passagem - há de se convir que, assim como os tratamentos dos ferimentos de guerra na primeira década

A Esperança é a última que... foge.

"Então, Prometeu subiu aos céus e roubou as sementes do fogo 'à roda do sol', trazendo-as depois para a terra, escondidas num tronco oco. Dessa feita, a vingança de Zeus foi exemplar. Prometeu foi acorrentado no Cáucaso com correntes de ferro, e uma águia, nascida de Equidina, a Víbora Monstruosa, devorava-lhe o fígado, que sempre renascia. O suplício durou até o dia em que Hércules, com uma flecha, abateu a águia e libertou o gigante de suas correntes. Mas como Zeus jurara pela Estige que Prometeu permaneceria eternamente preso à montanha, decidiu-se que o juramento seria mantido se o gigante, libertado, usasse um anel de aço no qual estivesse encastoado um fragmento da rocha. A punição dos mortais foi ainda mais severa, pois irremediável. Zeus pediu a Hefaísto (Hefesto) e à deusa Atená que criassem um ser ainda desconhecido, ao qual cada um dos deuses ornaria com uma qualidade. Esse ser foi a Mulher; e, como ela recebera tantos dons, foi chamada de Pandora (a que tem tod

Tristeza não tem fim.

Todos os problemas da vida um dia acabam. E o que sobra depois? Alívio, poderia-se dizer? Talvez, mas não teria tanta certeza disso. Quando os problemas se vão, o que fica no lugar é um imenso vazio, um buraco onde houvera algo forte e intenso que nos ocupara dia e noite. Quando as alegrias se vão, somos tomados de serenidade, uma sensação de que vivemos algo bom, que infleizmente não está mais lá, mas que pelo menos, um dia aconteceu. É como se a felicidade, ao sair, não deixasse seu lugar vazio, deixa-nos um sentimento de que somos completos porque já fomos felizes. Se recebemos uma notícia muito boa - passei no vestibular! - essa felicidade dura um tanto, e, passada a euforia, o contentamento, fica a satisfação da alegria consumada: sim, eu pertenci a este momento de existência em que fui feliz. A Felicidade nos toma. Já a tristeza não. Nós é que a tomamos. Quando se vai, fica um tremendo vazio - isso tudo pra quê? Uma vez li - ou alguém me contou, ou foi uma conversa, é dessas cois

Diálogo Interior

- Não, definitivamente eu não lido bem com isso! - Pois devia! Não entendo! Não há racionalmente razão alguma para você sentir desta forma... - Pois, é, né? Mas já é velho conhecido nosso o dizer: o coração tem razões que a própria razão desconhece! Não há saída! Por mais que eu estranhe esse sentimento em mim, é inundante! Chega como um córrego, que aos poucos se avoluma, e basta uma frase, um pensamento, uma simples constatação, para qu eu o reviva uma e outra vez em toda sua caudalosidade. - Se você parar para pensar, levas a vida que sempre sonhara! - Levo a vida... Ô sentimento ambíguo! Ao mesmo tempo em que sempre ostentei o estandarte das minhas escolhas, sempre a mim acompanhou a sensação de uma designação maior, que me levaria ao meu caminho inexoravelmente... Levo a vida que me leva. A diferença para os dias de hoje, é que nesse idílio a certeza de que o inexorável levaria à realização plena era simplesmente incontestável... - E agora? - Agora?... Agora teorias da conspiração

Amor - parte 3: Dança.

Arte é uma modalidade de amor. É amor aquilo que é mobilizado dentro de nós quando fazemos ou assistimos arte. É um sentimento de completude, de beleza que nos toma no contato com a arte e que é bem próximo, ou mesmo, é o próprio indizível. É o sentir pré-verbal: e isso é amor. O amor é pré-verbal, é da ordem do urobórico , daquilo que sentimos no corpo que sou eu antes mesmo de poder descrevê-lo ou descrever-me. E é no corpo que se faz a dança. Dança é movimento. E mais do que nunca, essa é uma afirmativa verdadeira na dança contemporânea. A dança historicamente sempre estave ligada a outras categorias, teatro, ópera, música, mas a dança contemporânea é - me perdoem os escolados se me equivoco - a grande vociferação do dueto corpo-movimento. Nesta modalidade de dança, corpo e movimento são as grandes vedetes, mais que a história subjascente, mais que a música, mais que todo o resto, que são, claro, coadjuvantes fundamentais, mas que não têm o peso e o sentido da dupla corpo-movimento

Realidade: introdução.

Sinto ter estado muito ausente deste meu espaço nos últimos dias. Mas isso é efeito de um fenômeno muito curioso: a realidade. Outro dia eu andara dizendo por aí: a realidade retorna sempre e se faz sentir paulatinamente como uma bigorna. Viver o dado de realidade é inexorável, apesar de todas as patologias que possam contestá-lo, ou até mesmo, anulá-lo. Tive a sorte de passar dois meses numa realidade criada por mim mesma, forjada na pseudo-liberdade de se não ter que fazer. De forma que era tão distante da realidade cotidiana, tão próxima da fantasia, que me foi alimento para estranhar os filosofismos que desvario aqui. Mas chegaacabou. E a realidade dos homens retornou como demanda intermintente, com poucos segundos de pausa. Mas o que é, enfim, realidade, isso de que tanto se fala por aqui? Porque a vida que vivi estes dois últimos meses parecia-me tão fantasiosa e porque chamar de realidade apenas aquilo que mais se aproxima de um consenso geral socialmente determinado de como se

Um pouco de prática.

Enfim, os filosofismos se tornam inúteis se não tocam na vida prática do ser humano, perdidos eternamente nas metafísicas longínquas. Por isso, Me admira muito saber que ainda há aqueles - e são muitos, eles - que não se dão conta da dimensão do que é viver neste planeta com todos os outros seres que aqui habitam, conheçamo-los ou não. Ok, vocês acham que é pedir demais. Me admira então que eles não tenham uma mínima percepção, qual seja, a de que não estamos sozinhos no mundo. E não me refiro aos extraterrestres - embora sejam muito amigos meus - mas ao outro, esse mesmo, que está ao seu lado aí. Existem outras pessoas, outros bichos, outras plantas, outras pedras, outras tantas coisas nesse mundão de meu deus, comment c'est possibile que alguém ainda se ache isento de participação no todo? Não sei, talvez isso soe tão estranho pra mim porque esse sentimento de pertença a um todo muito maior do que a soma das infinitas partes é talvez tão ou mais antigo em mim do que o próprio es

Amor - parte 2: Contato.

Quanto tempo pode uma pessoa ficar sem ser tocada? Existem vário estudos em macacos, generalizados para crianças humanas, ou estudos em crianças mesmo, enfim, tem muita gente por aí que defende graves danos à estrutura da personalidade ocasionados pela falta de contato corporal nos primeiros anos de vida. Falta de carinho, falta de colo, falta de abraço. Falta do calor do corpo do outro. Talvez alguém por aí não acredite, mas o não contato com o corpo do outro pode te tornar uma pessoa pior. O corpo humano tem uma temperatura específica, uma textura própria, uma densidade, cheiros, que edredon nenhum no mundo pode reproduzir, quem dirá substituir. Mas mais do que os fenótipos, o corpo - e aqui não me atrevo a dizer só do corpo humano - os corpos têm algo que nenhuma biologia foi capaz de explicar, embora não haja psicologia que possa discordar: os corpos têm sentimentos. E por sentimentos aqui entenda-se não apenas aquilo de que você pode dizer, mas também, e principalmente, daquilo qu

Isto é um poema.

Feiticeira Moreninha, Casta flor da minha vida, Quando cismas à tardinha Nos teus sonhos embebida Não sentes a aragem trêmula Que em teus cabelos se enlaça, E o murmúrio que perpassa Como uma queixa perdida Do dia que além se esvai? Dize — sabes o segredo Que essa linguagem te diz, Quando a brisa oscula a medo As tuas tranças gentis?... . Pois ouve... não fujas, não... Escuta o gemer da brisa; É minha alma que desliza Nas asas da viração . Ruy Barbosa.

Isto não é um poema.

O outro é aquela ilusão que criamos Na solidão das madrugadas Nunca será real. Não espere nada E aquilo que virá Não será o que você deseja. É possível felicidade? Ou isso é só esquecer Que pode ser diferente? Anestesiar-se. Felicidade é anestesiar-se O resto é desconforto Impermanência. O inferno é o desejo que temos de que nossa criação corresponda aos nossos desejos da madrugada.

Amor - parte 1: Idiossincrasias.

As pessoas me parecem tão interessantes, e elas assim me o parecem porque são quem são e não outros, mas elas mesmas. Chama-se idiossincrasia. Às vezes, observo alguém que carrega balas Halls na bolsa, e diz, comprando um pacote assim que o anterior ainda está pela metade: "não vivo sem elas!", e acho isso lindo! Quão interessante! Tenho certeza absoluta que alguém se deixaria seduzir infinitamente por esta característica tão peculiar que pertence tanto à intimidade daquela pessoa que quase passa despercebida. Outros tem um jeito peculiar de arrumar o dinheiro na carteira. Outros usam adoçante na caipirinha. Outros usam o humor como ponte para seus relacionamentos. Outros estão sempre com as unhas pintadas. Outros são exigentes e sempre reclamam de quase tudo, pois quase tudo não está dentro dos seus padrões de exigência. E eu sempre acho praticamente impossível alguém não se apaixonar por estas pessoas. Não se apaixonar pelos seus detalhes, pela maneira como mexem nos cabelo

Arder na madrugada.

Ou as coisas ardem ou não me meto nelas. Foi uma frase que surgiu de meus dedos enquanto digitava os argumentos de uma discussão interminável (como todas) via msn às 4h30 da manhã. Esse tem sido meu horário de maior atividade, desde que comecei a trocar os dias pelas noites. Atividade de um modo geral: emocional, de raciocínio, intelecutal, física. A madrugada é um momento do dia caracterizado pela intensidade. Parece que o véu da noite exerce um peso sobre as almas, obrigando-as a viverem aquelas horas de forma intensa e inteira, entregando-se profundamente às experiências noturnas. A noite alta é esmagadora e plenificante. A temperatura da noite, o silêncio que permite ouvir outros sons - mesmo que deformado nas grandes cidades - suas cores e cheiros, são infinitamente estimulantes, sugerem profundidade, sugerem contato com tudo o que é o outro lado. Com tudo aquilo que não faz parte do dia, da luz, da movimentação agitada do cotidiano. Assim sendo, a alta madrugada torna-se o melhor

Perder-se no eco do vazio.

O fenômeno Susan Boyle . Recebi o link para este vídeo e deletei-o consecutivamente trocentas vezes até recebê-lo de alguém a quem dedico atenção privilegiada às coisas que me envia; portanto, "assisti-o-o". Quadro: reality show competitivo com alto índice de futilidade (redundância), um júri que encarna diferentes personagens, impondo (fantasiosamente) uma atmosfera de medo e apreensão aos concorrentes, platéia ensandecida lotada de pessoas que não tem mais o que fazer de suas vidas a não ser observar a vida alheia de forma zoofílica (sim, sou cruel em alguns julgamentos). Soma-se a isso a concorrente: mulher vinda de uma cidade do interior, com um tipo físico e endumentária completamente fora dos padrões estéticos sugeridos por este tipo de audiência/programação, e ainda, de idade avançada (???). Resultado: o óbvio. Ela começa sendo ridicularizada, mas quando inicia àquilo a que se propôs ao estar ali (no caso, cantar), deixa a todos boquiabertos, estupefatos. Sai vitoriosa

Existência diferencial.

Diz-se de quem procura, que este acha. Sou a prova viva. Quanto mais procuro, mais encontro material diverso para fundamentar todo o absurdismo que aqui despejo. Acabo de encontrar, por exemplo, uma filosofia dessas que andam por aí desde finados "1800 e encarnação passada", que apregoa - muito que resumidamente aqui, pois que não quero ser achincalhada de não saber discorrer fidedignamente sobre tal, coisa que não o sei mesmo - algo sobre mônadas, quais sejam: a partes que se coadunam para formar os todos. Por exemplo, os átomos. Mas a novidade - em 1895 - é a proposta de que as mônadas (sério, vão pesquisar na wikipédia e afins pra entender isso aqui direito) são, ao invés das últimas instâncias a que se pode algo reduzir, pasmem!, compostas. Infinitamente compostas de diferenças. Significando, para este filósofo e os que nele acreditam, que qualquer coisa no mundo poderia ser decomposta em infinitésimas diferenças. (Que meu amigo me perdoe se isto aqui estiver muito plagií

A perplexidade da dor.

Estive a ler sobre a dor por esses dias, dor, de um modo geral, dor física mesmo, com ou sem metáforas, e, qual não foi meu espanto ao deparar-me com estatísticas que asseguravam que "a dor afeta pelo menos 30 % dos indivíduos durante algum momento da sua vida e, em 10 a 40% deles, tem duração superior a um dia." Trinta por cento??? Pelo menos 30%?? Essa foi uma informação que, no mínimo, deveria fazer com que eu revisse certas convicções minhas. Sim, porque, eu estava convicta de que a dor afetasse TODOS os indivíduos em algum momento de suas vidas. Como não sou dada a alterar minhas convicções a partir do discurso alheio com tanta facilidade, continuo acreditando que TODOS os indivíduos são afetados por alguma dor, pelo menos uma vez na vida. Qualquer dor. Nascer dói. E nada me convence do contrário: a primeira experiência do mundo concreto é dor. Infelizmente. Somos recebidos nesta realidade com a triste constatação: é, vai doer... Mas, além dessa, seria possível conceber

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena final.

Tela em branco. Tela em branco. Tela em branco. Parece que está vazia, que já disse tudo, que já se expôs demais. Tem um sentimento gozado de vergonha, ela que escreveu despudoradamente, e agora se defronta com sua intimidade mais velada ali, palavra por palavra. Tem a sensação de que não existe. Começa a deixar de existir. Após tanto tempo sem se reconhecer no olhar do outro, a imagem de si mesma esvai-se na solidão das madrugadas. Correr riscos é agora a única coisa que faz sentido. É o silêncio da solidão das madrugadas que a mantêm acordada. A luz do dia a faz dormir e sonhar. Começa a deixar de existir. O que seria a existência senão a afirmação de outrem de que ela realmente existe? A imagem de si mesma esvai-se e quem é que pode afirmar que ela é, quando não há ninguém olhando? Não há ninguém olhando e ela não sabe mais ao certo se está ali. Se é ali. E se não for? E se deixar de existir. Correr riscos é agora a única coisa que faz sentido. Na folha tela em branco corre-se um ri

É necessário dividir porque não se cabe em si mesma. Cena 3.

Ela está sozinha. Parece que bebeu. Acaba de chegar na sua casa escura, e parece que bebeu. É como se as coisas não estivessem no lugar. Mas, oras! as coisas nunca estão no lugar. O Gato, e somente ele a recebe. Mas parece que ela bebeu e nem o Gato dá muita importância, porque ela bebeu, então, ela não será mais ela, nem tão cedo. Ela será aquela. Aquela que fala das coisas como se fossem verdade. Aquela que sente seu corpo como se pudesse fazer algo quanto a isso. Aquela que soluça. Aquela que está enfim nua. E não está mais com medo de todas as impressões que tomarão seu corpo, porque ela bebeu. E ela tem certeza que Baco nunca a deixaria perder-se em definitivo. Ela está sozinha, mas seu pensamento está cheio de um alguém. Um alguém que não saberia, talvez, o que fazer com esta bacante sozinha. Seu pensamento está cheio de um alguém, mas seu pensamento é uma realidade concreta, porque ela bebeu. "É então que toco este alguém." E a solidão da noite, afora um Gato, a confun